A era da desintermediação: novas tecnologias e o futuro das corretoras

Rodrigo de Abreu Pinto
5 min readOct 6, 2021

Quando se fala em mercado de valores mobiliários é comum classificá-lo como mercado desintermediado, ao contrário do que ocorre no mercado financeiro.

O Semeador (2015) de Nuno Ramos

No mercado financeiro (também conhecido como mercado de crédito ou bancário), o poupador deposita o dinheiro no banco que, por sua vez, empresta em nome próprio para um terceiro. Assim, o poupador recebe uma remuneração fixa pela poupança investida, enquanto o banco lucra com a diferença entre o que paga à poupança e o que cobra de juros pelo empréstimos aos tomadores.

Já no mercado de valores mobiliários (também referido como mercado de capitais), o investidor aplica diretamente nas empresas que acessam o mercado em busca de recursos. Sem um banco como intermediário, e consequentemente sem garantias ou remuneração fixa, o retorno do investidor depende diretamente da atividade econômica da empresa investida.

Em suma, apenas no mercado financeiro o intermediário atua como contraparte e assume os riscos, daí porque se fala que os bancos são os intermediários entre, no jargão econômicos, os agentes deficitários e os superavitários.

É errado dizer, no entanto, que não há intermediários no mercado de capitais. Mais correto é que, ali, também atua um intermediário, embora de outra natureza, por onde e quem a ordem do investidor passa antes de chegar na empresa companhia propriamente dita.

O sistema de intermediação do mercado de capitais é formado pelos intermediários (corretoras e distribuidoras) e os mercados em que ocorre a intermediação (bolsas e mercados de balcão), por meio dos quais se dão as negociações entre as companhias e os investidores, e os investidores entre si.

No mercado brasileiro e internacional, a negociação de valores mobiliários deve ocorrer através do sistema de intermediação, sendo vedado aos investidores, via de regra, o acesso aos ativos das companhias sem a participação das bolsas e corretoras.

As bolsas, por um lado, são mais conhecidas e constituem o ambiente de negociação, seguro e transparente, para a realização das operações de compra e venda dos ativos.

O sistema de intermediação é formado, ainda, pelas corretoras e distribuidoras. A diferença entre ambas, na verdade, só fazia sentido enquanto existia o pregão físico, em que as corretoras operavam presencialmente e as distribuidoras, por seu turno, apenas apresentavam os valores mobiliários aos clientes.

Com o surgimento dos sistemas de negociação eletrônica, corretoras e distribuidoras se tornaram basicamente a mesma coisa. Seja uma corretora como a XP, Nuinvest ou Toro, seja uma distribuidora como a Órama, Inter ou Vitreo, todas atuam de maneira idêntica em duas dimensões principais:

(i) acesso dos investidores aos sistemas de negociação das bolsas, onde fecham as operações em nome dos clientes que enviam as ordens, por meio dos seus computadores, às corretoras; e

(ii) oferecimento de plataforma virtual onde as informações sobre os ativos são prestadas em linguagem compreensível, além de uma série de outros serviços de educação financeira, bem como notícias, consultoria e análises sobre o mercado.

Foi assim que as corretoras — ao lado dos consultores, analistas e agentes autônomos de investimento vinculados à elas — promoveram a reconfiguração da experiência dos investidores brasileiros ao longo da última década. Período em que o mercado brasileiro, enfim, deslanchou, com a queda de preconceitos arraigados como de que os investimentos são exclusivo dos ricos, pouco transparentes ou, ainda, de que as negociações em home broker são excessivamente complexas.

Grito e Paisagem (2017) de Nuno Ramos

O boom recente do mercado, por ótica, não foi mero efeito da redução da taxa de juros, e sim de uma miríade de causas dentre as quais, uma das mais instigantes, corretoras que criaram plataformas interativas, com taxas de corretagem reduzidas e sem limite mínimo de investimento, estimulando que pequenos investidores substituíssem a poupança pela aplicação de longo prazo em companhias brasileiras.

O paradoxo desse processo é que o êxito das corretoras em reduzir a opacidade das negociações, além de adaptar os usuários às novas tecnologias, alimenta a percepção contraditórias de que já não seriam tão necessárias assim.

Já na passagem do pregão físico para o eletrônico, as corretoras perderam discricionariedade no exercício das ordens dos investidores, mas preservaram o protagonismo pela inauguração das plataformas virtuais.

Agora, outra vez motivados pelo surgimento de novas tecnologias, “é possível que o próximo passo desejado pelo investidor seja o acesso direto ao mercado sem intermediação, afinal de contas, eliminando o intermediário também se elimina o pagamento de taxas de corretagem”, afirmou Margareth Noda em dissertação sobre o assunto.

Uma tendência atual é que uma mesma plataforma realize as funções de ambiente de negociação e gatekeeper, atualmente divididas entre as bolsas e as corretoras.

Em tal modelo, a plataforma proporciona o acesso direto dos investidores ao mercado, sem a participação do intermediário, sob o pressuposto de que garantem as informações adequadas e a mitigação do risco de fraude e interferência de terceiros.

Um bom exemplo disso são as plataformas de crowdfunding, cuja dispensa de contratação de intermediários, autorizada pela CVM, diminuiu os custos das ofertas e facilitou o financiamento de empresas em fase inicial de desenvolvimento. A contraparte dessa ausência do intermediário ainda são as limitações, impostas pela CVM, ao volume das ofertas e a renegociação dos ativos em mercados secundários.

Se tais restrições devem diminuir no futuro próximo, não se trata de dizer que as corretoras e distribuidoras estão prestes a desaparecer, mas que seus papéis serão, mais uma vez, repensados, desta vez em função da transparência, velocidade e escala das inovações que expandem as possibilidades de investidores negociarem ativos diretamente (peer-to-peer), inclusive por meio de tecnologias como blockchain, tokens e smart contracts.

Muito embora seja racional, e até lógico, que os investidores não estejam dispostos a pagar por um serviço que podem fazê-lo diretamente, não se deve perder de vista o valor agregado pelos intermediários ao mercado de capitais em tempos recentes.

Os desafios de reinvenção das corretoras, daqui em diante, é o mesmo que os bancos e instituições de pagamento estão enfrentando diante de tecnologias como Pix e Open Banking. O diferencial, afinal, será a experiência do usuário proporcionada pelas corretoras, que pode ser aprimorada pela otimização dos serviços prestados pelos seus consultores, analistas e agentes autônomos de investimento; o desenvolvimento de engagement pratices, como a “gameficação” (aproximação da experiência do home broker às práticas dos games); os ganhos de eficiência e redução custos; etc.

Certo é que seja pela desintermediação como efeito das novas tecnologias, seja pelas experiências de intermediação que serão criadas, os investidores que se beneficiarão do fato de que o mercado é muito mais movido pela emergência e desaparição das suas formas que envolvido em estabilidade.

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Rodrigo de Abreu Pinto

Nascido em Recife, é formado em filosofia pela FFLCH-USP e em direito pela PUC-Rio.