A Lava Jato sobreviveu a Vaza Jato
Na última semana, dois episódios certificaram que a Lava Jato, afinal, sobreviveu a Vaza Jato.
Primeiro foi o ministro Luiz Fux que cedeu aos apelos das milícias virtuais da extrema direita e cassou, via decisão monocrática, o chamado juiz de garantia. O instituto jurídico — incluído no pacote anti-crime e que divide a condução dos processos criminais entre dois magistrados — foi promulgado pelo Legislativo, mas interpretado pelos lava-jatistas como uma provocação ao ex-juiz Sérgio Moro.
Para resolver a questão, Fux se valeu do expediente tão caro aos juízes e procuradores de Curitiba: usurpou a competência do Plenário e ratificou o modus operandis da Lava Jato pelo qual comportamentos anti-institucionais são permitidos porque realizados em nome da própria institucionalidade — que renasceria renovada ao final do processo, como prega o moralismo farisaico da República de Curitiba.
No dia seguinte a decisão de Fux, foi a vez do atrito entre Sérgio Moro e Jair Bolsonaro a respeito da separação do ministério da Justiça que então daria origem ao ministério da Segurança Pública.
O presidente esperava se valer duplamente da decisão: tanto pela escolha de um novo ministro da Segurança Pública que facilitaria a cooptação dos órgãos subordinados (como a Polícia Federal), quanto pela erosão do discurso de Moro que não perde oportunidade de alardear a melhora dos índices de criminalidade e segurança.
A reação, no entanto, foi imediata. Entre boatos de que Moro pediria demissão e o levante nas redes sociais em apoio ao ex-juiz, Bolsonaro recuou.
Foi Moro quem venceu.
Para quem se lembra, essa não foi a primeira intriga entre ambos. Bolsonaro se aproveitou da fraqueza de Moro após a Vaza Jato para empurrar decisões que atacaram a Lava Jato e, na mesma medida, dificultaram as investigações contra o filho Flávio. A lista é variada: Coaf no ministério da Economia; escolha de Aras para a PGR; elogio da decisão de Toffoli que paralisou as investigações do Coaf.
Só quando Bolsonaro tentou forçar a troca do diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, que Moro enfim reagiu — momento em que estivemos no limiar da demissão do ex-juíz do governo.
Seguindo o conselho do general Heleno — que alertou o presidente de que “se demitir Moro, seu governo cai” — Bolsonaro não demitiu Moro. E o balde de água fria veio quando a pesquisa do Datafolha revelou que o ministro continuava com a popularidade intacta — de longe, o membro mais popular do governo.
Dali em diante, o presidente fez questão de elogiar o ex-juiz no discurso da ONU e, mais importante, concentrou os esforços do governo pela aprovação acelerada do pacote anti-crime do ministro, que estava em parado desde o começo do ano.
Moro, que não é bobo, pegou carona na popularidade e politizou o trâmite do pacote pelo legislativo. Contra a emenda do juiz de garantia inserida pelo deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ), Moro convocou as milícias virtuais pela defesa do projeto original. Uma coisa é certa: enquanto todo mundo percebe que Bolsonaro não resiste a tentação de salvar o filho, o discurso anti-corrupção se agarra novamente a Moro.
Assim se explica o despudor de Fux em proferir liminar tão descarada. E também por isso, quando o presidente tentou extinguir o superministério de Moro, a reação foi tal que quem foi fritado não foi o ex-juiz, mas o próprio Bolsonaro.
As revelações do The Intercept impugnaram derrotas a Lava Jato no Legislativo (lei de abuso de autoridade) e no STF (prisão após o trânsito em julgado; mudança na ordem das alegações finais; caixa 02 como competência da Justiça Eleitoral). Essas derrotas, no entanto, foram mais “técnicas” do que fatais. Dito de outro modo: mesmo que o vazamento tenha revelado o conluio criminoso entre setores do Ministério Público e do Judiciário, Moro e a Lava Jato sobreviveram
Ainda na semana passada, o ex-juiz esteve no programa Roda Viva e marcou sua distância ao presidente em temas como liberdade de imprensa e o juiz de garantias (que Bolsonaro não vetou). Mais do que isso: Moro comentou seus feitos como juiz e ministro como quem não pretende parar por aí.
Bolsonaro já chegou a oferecer a vaga de vice à Moro em 2022, mas esse não pareceu animado. Resta, ao presidente, a carta na manga de oferecê-lo a vaga no STF.
Ou Moro terá a vaga no STF. Ou Moro será candidato em 2022. Em ambos os casos, a Lava Jato está viva e galgando posições.