Amazon: expressão ou antítese do capitalismo americano?
Desde o começo da pandemia a Nasdaq, bolsa americana de tecnologia em que estão empresas como Amazon, Google e Apple, atingiu sucessivos recordes. A informatização e o crescente uso de soluções digitais insuflaram as big techs que ganharam fôlego, não a despeito, mas por causa da pandemia.
A aparente contradição entre o sucesso de tais empresas e a deterioração das condições de vida da maioria mobilizou a esquerda americana, liderada por Elizabeth Warren e Bernie Sanders, pela inclusão das big techs no programa político de Joe Biden. A resposta definitiva do presidente se deu recentemente pela nomeação de Lina Khan para o Federal Trade Comission (FTC), o órgão antitruste dos Estados Unidos.
Lina Khan se tornou mainstream da esquerda do Partido Democrata desde o lançamento do seu famoso Amazon Antitrust Paradox, artigo onde discutiu como o modelo de negócio da Amazon ameaçava o coração do capitalismo norte-americano: a concorrência.
A autora não subestima o sucesso da Amazon e ressalta o pioneirismo do seu fundador, Jeff Bezos, em apostar no varejo de internet quando os consumidores sequer confiavam em fornecer as informações de seus cartões de crédito para pagamentos on-line.
Por outro lado, Lina Khan chama atenção para os riscos engendrados pelo modelo de negócio da Amazon, sobretudo a respeito de duas das principais estratégias da varejista: os preços predatórios e as múltiplas linhas de negócios.
A americana destaca que a Amazon não aposta em preços baixos, mas em preços predatórios, entendidos como “as vendas feitas abaixo do custo, sem objetivo comercial legítimo e com a intenção específica de destruir a concorrência”. Vários episódios descritos em Amazon Antitrust Paradox ilustram como a Amazon se vale da gestão de preços abaixos do mercado para eliminar os concorrentes e, em seguida, aumentá-los (com flexibilidade para reduzí-los novamente caso novos competidores ameaçassem o seu domínio).
Além de ser uma varejista, a Amazon é um market place, uma rede de entrega e logística, um serviço de pagamento, uma casa de leilões, uma grande editora de livros, uma produtora de televisão e filmes, uma designer de moda, uma fabricante de hardware a e a principal fornecedora de espaço de servidor em nuvem. Dentre as múltiplas linhas de negócio, Lina destaca duas plataformas controladas pela Amazon das quais seus concorrentes dependem: (i) o market place, onde ela disponibiliza os próprios produtos e de seus oponentes; e (ii) o servidor em nuvem (Amazon Web Service) onde são gerenciados os arquivos e programas de boa parte dos seus concorrentes.
Logo, o poderio da Amazon não se resume ao domínio da demanda conquistada por meio de preços predatórios, mas envolve o monopólio do controle da oferta, da infraestrutura logística, dos canais de distribuição e dos meios de divulgação. Como lemos no artigo, não faltam exemplos em que a Amazon se valeu dessa hegemonia para superar os concorrentes e criar barreiras à entrada de nova empresas.
A crítica de Lina Khan às atuas políticas antitruste dos Estados Unidos, inspiradas diretamente pela Escola de Chicago, é que se baseiam tão somente no interesse de curto-prazo do consumidor, tal como retratado no preço dos produtos. Em outras palavras: como os preços dos produtos da Amazon estão baixos, ao menos até então, o consumidor se beneficiaria e não haveria razões para o FTC agir.
Já na visão de Lina Khan, é preciso superar a política antitruste estritamente focada nos preços para incluir a distribuição de riqueza e poder cingida a uma visão de longo prazo do desenvolvimento econômico.
Como a Amazon usa seu domínio para bloquear novos entrantes, tal barreira de entrada atrapalha o processo de inovação, já que empresas monopolistas desenvolvem uma tecnologia só até o ponto em que são capazes de fazer os concorrentes deixarem o mercado ou desistirem de entrar.
A conclusão da autora é que embora as práticas da Amazon tendam a reduzir os preços dos produtos no curto prazo, elas acabam prejudicando os consumidores no longo prazo já que interrompem o processo de destruição criativa que caracteriza o desenvolvimento capitalista.
Já as criticas contra Lina Khan vem especialmente de setores que não só identificam uma relação positiva entre monopólio e inovação tecnológica, como defendem o fortalecimento das big techs meio as disputas internacionais, em especial contra a China. Mesmo assumindo que modelo de Lina Khan é eficiente em garantir a entrada de novos participantes, os críticos sugerem ele seria menos sensível às demandas das grande empresas que disputam a hegemonia contra os gigantes orientais.
Se uma empresa chinesa como a Huawei já domina um setor essencial como as telecomunicações, não são poucos americanos que temem o mesmo devir para setores como aeroespacial, automotivo, serviços de internet, ciências biológicas e semicondutores.
Tanto Lina quanto os mais liberais certamente não abrem mão da disputa contra a China, a questão é como fazê-la.