Ascensão dos agentes autônomos extrapola a forma jurídica e inspira mudanças

Rodrigo de Abreu Pinto
4 min readOct 20, 2021

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São muitas as transformações no mercado de capitais na última década. Incluem-se, por exemplo, a popularização do Tesouro Direto, o aumento do uso de home brokers por investidores não-profissionais e a disseminação das casas de análise independentes.

Não menos importante, por sua vez, a multiplicação dos agentes autônomos de investimento, tanto pessoas físicas quanto jurídicas, em todo o país.

Os agentes autônomos atuam como prepostos dos intermediários (corretoras e distribuidoras) e tem funções parecidas aos gerentes de bancos. São os agentes que cadastram os clientes, apresentam o mercado para os investidores, explicam as características dos produtos, prestam esclarecimentos operacionais, recebem as ordens de compra/venda e as transmitem para os sistemas de negociação.

Além das funções comerciais e educativas, os agentes autônomos não geram custos fixos ou vínculos trabalhistas para as corretoras, já que são, em geral, remunerados segundo o percentual da movimentação dos clientes.

Essa liberalidade estimulou a associação entre corretoras e agentes autônomos, por meio da qual aquelas adquiriram capilaridade geográfica, sobretudo em cidades onde não possuem agências físicas. O elo, até então improvável, entre os investidores locais e o portfólio de produtos e serviços das corretoras foi paulatinamente estabelecido pelo crescente número de agentes autônomos.

Tal como o número de investidores pessoas físicas na bolsa saltou de 500 mil para quase 4 milhões nos últimos cinco anos, atualmente são 15.970 agentes autônomos no mercado, quase três vezes mais do que em 2016.

Sem título (1965) de Mira Schendel

A ascensão dos agentes inspirou que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), responsável pela regulação da profissão, convocasse uma Audiência Pública para rediscutir as regras aplicadas aos agentes autônomos, sejam pessoas físicas ou jurídicas. De modo resumido, as principais alterações propostas são:

a) o fim da obrigatoriedade de agentes autônomos atuarem em regime de exclusividade com um intermediário;

b) a possibilidade de agentes autônomos pessoas jurídicas admitirem, em seus quadros societários, sócios que não sejam agentes autônomos (como fundos de private equity, por exemplo).

Vejamos cada uma separadamente

Atuação do agente autônomo em regime de exclusividade com um intermediário

O ex-presidente da CVM, Marcelo Trindade, contou em sua coluna no Valor que a exclusividade dos agentes autônomos, em relação aos intermediários, foi estabelecida após a crise de 2009. Ali, Trindade conta, vários investidores apresentaram reclamações à CVM sobre a atuação dos agentes autônomos em decorrência das perdas sofridas.

Junto ao Edital da Audiência Pública, a CVM divulgou uma análise de impacto regulatório em que expõe as razões que determinaram a exclusividade obrigatória naquela altura, a saber: (i) com a imposição da exclusividade, o intermediário teria maior controle e supervisão sobre a atuação do agente autônomo, em especial para evitar que os profissionais prestassem serviços aos clientes para as quais não está autorizado (como serviços próprias ao consultor ou administrador de valores mobiliários); (ii) a eliminação dos vínculos aos múltiplos intermediários limitaria a prática do agente autônomo arbitrar a comissão entre diferentes intermediários, para então oferecer ao investidor o produto que geraria maior receita de comissionamento.

Dez anos depois, as plataformas de investimentos evoluíram, bem como o nível de informação do investidor aumentou consideravelmente. Os riscos que justificavam a vedação, dessa maneira, revelaram-se mitigáveis por meio de regras de transparência, além da conscientização dos investidores sobre a atividade dos agentes autônomos, em lugar da imposição da exclusividade obrigatória que sujeita o investidor aos produtos do portfólio de um só intermediário caso opte pelos serviços de um agente autônomo.

A novo regulamento se baseia no total disclosure a respeito das taxas e custos das operações, garantindo informações qualitativas sobre remuneração e conflitos de interesse dos agentes envolvidos na intermediação de operações. Tem-se, como novas exigências aos agentes, a elaboração de extratos trimestrais com a descrição dos percentuais de remuneração pagos por cada intermediário, assim como a obrigação que os clientes assinem termo de ciência sobre a atuação dos agentes autônomos.

É certo que a exclusividade ainda pode ocorrer, já que as partes (intermediários e agentes autônomos) podem estabelecê-la contratualmente (tal como ocorre no mercado americano).

Não é menos certo, por sua vez, que a CVM acertou em exclui-la como exigência regulatória, sobretudo porque o fez como contraparte ao empoderamento do investidor, que terá as informações sobre os custos em que estão incorrendo para tomarem as decisões sobre seus investimentos.

Ingresso de sócios que não sejam agentes autônomos

Por meio da nova regra, os escritórios de agentes autônomos não serão mais obrigatoriamente uniprofissionais, isto é, em que apenas agentes autônomos podem ser sócios. A partir de então, o agente autônomo pessoa jurídica poderá atrair investidores e o aporte externo de recursos visando melhorias de infraestrutura tecnológica, contratação de profissionais, ampliação e a prospecção de novos clientes.

A mudança se dá na esteira da complexidade e porte econômico adquiridos pelos escritórios de agentes autônomos, em relação aos quais a roupagem jurídica da sociedade uniprofissional tornou-se minúscula. Como prova disso, os recentes casos de escritórios como Equi e Acqua-Vero que estão se transformando em corretoras com o suporte e a participação minoritária de investidores (no caso, o BTG).

Uma limitação que permaneceu inalterada, contudo, é a obrigação de que os agentes autônomos pessoas jurídicas possuam objeto social exclusivo, de maneira que sejam constituídos exclusivamente para o exercício da atividade de agente autônomo. Se não bastasse o fato de que os demais entes regulados do mercado de capitais (gestoras, consultores, analistas) não estão sujeitos a mesma regra, a crescente complexidade e porte econômico dos escritórios esbarram no portfólio limitado, já que impedidos de exercerem outras atividades não-conflitantes e de forma segregada (como correspondente de seguros, cambial ou bancário, por exemplo).

Espera-se que a CVM corrija esses e outros detalhes, muito dos quais apontados pelos agentes do mercado nas manifestações a Audiência Pública, e especialmente que a norma vindoura nutra o crescimento ininterrupto do mercado de capitais brasileiro.

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Written by Rodrigo de Abreu Pinto

Advogado (PUC-Rio) e Filósofo (FFLCH-USP). Diretor de Inovação da Câmara de Comércio Brasil-Portugal.

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