Bitcoin, Bitcoin, Blockchain à parte: a bolha e o futuro das criptomoedas

Em apenas uma semana, as ações da exchange Coinbase despencaram; o mesmo ocorreu com os preços do Bitcoin; e a stablecoin Tether falhou em sustentar o seu valor atrelado ao dólar.

São impactos gerados pela inflação e a perspectiva de aumento das taxas de juros, dentre outras razões menores. As ações das empresas de tecnologia listadas na Nasdaq estão sofrendo parecido.

O que torna a queda das criptomoedas mais dramática é a narrativa que fundamenta os investimentos. Nascida da aversão aos modelos estatais e inspirada pela cultura cypherpunk, postula-se que as criptomoedas assegurariam proteção contra a inflação, ao contrário das moedas tradicionais sujeitas às intervenções governamentais, emissões e confisco.

Não é isso que está se vendo, muito pelo contrário. Estaria caindo por terra a narrativa que distingue as criptomoedas das demais ações de tecnologia?

Descension (2017) de Anish Kapoor

Em Boom and Bust, William Quinn e John D. Turner ilustram uma bolha financeira como um triângulo em que cada lado representa uma de causas: (i) Money/credit, a abundância de capital disponível; (ii) Marketability, a facilidade de comprar e vender o ativo; e (iii) Speculation, a difusão de narrativas que prometem ganhos faraônicos. Trazendo às criptomoedas, respectivamente:

Ainda é preliminar para cravar a natureza da bolha e se essa, de fato, estourou — seja porque uma declaração qualquer de Elon Musk pode alterar a curva, seja porque não tivemos um “momento Lehman”.

Mas uma coisa podemos adiantar: nem todas as bolhas são destrutivas como a bolha dos subprimes, por exemplo, e algumas podem até gerar consequências sociais positivas. A minha aposta é que a suposta bolha das criptomoedas é um exemplo dessas.

Há muito que se lamentar pelos jovens, em especial não muito endinheirados, que aplicaram quantias relevantes em criptomoedas tilitantes. O advogado Pablo Cerdeira esteve em Cabo Frio e ouviu de um investidor que o chamado Faraó dos Bitcoins “abriu os olhos das pessoas de que os grandes bancos exploram a população e que a bitcoin é a saída”.

Pode-se dizer que os reguladores falharam, em alguma medida, em proteger o público contra ativos que ninguém compreendia muito bem. Mas não se pode dizer que erraram em prover a economia com uma política de emissão monetária e taxa de juros zero.

A ausência de estímulos monetários ou fiscais, durante o crash de 1929, gerou a falência de inúmeros bancos e a consequente Grande Depressão. Ponto para Ben Bernanke e Jerome Powell por terem feito diferente durante a crise de 2008 e a pandemia.

Além disso, os estímulos se deram numa economia mais bem regulada pelos aprendizados da crise de 2008. O que explica, ao menos em parte, porque a bolha das criptomoedas não deve causar maiores efeitos macroeconômicos.

Descension (2017) de Anish Kapoor

Em lugar disso, a bolha das criptomoedas pode surtir efeitos positivos semelhantes a bolhas anteriores, a saber: encorajar criadores rumo à empreendimentos inovadores, bem como investidores a projetos tecnológicos que não seriam financiados sem o hype peculiar às bolhas.

Exemplo disso foi a bolha da internet nos anos 90. Impulsionada pelo desmanche da regulação financeira do pós-guerra, o sucesso do IPO da Netscape estimulou que vários outros players tentassem o mesmo caminho.

Tal como nas criptomoedas, dot-com bubble tinha sua utopia própria: a Internet era uma tecnologia que transformaria o mundo e, em âmbito financeiro, transformaria as métricas tradicionais de avaliação das ações.

Foi assim que enormes somas de capital foram canalizadas para o setor mais inovador da economia. Empresas como Amazon e eBay começaram como empresas dot-com, e outras como a Apple e a Microsoft se beneficiaram do aumento de investimentos.

Quando olhamos para trás, o rastro das empresas que faliram é suplantado pelas tecnologias que se revelaram úteis seguintes.

Desta vez, como afirmou Eswar S. Prasad em The Future of Money, embora o advento de moedas criptográficas como o Bitcoin tenha sido notícia de primeira página, é provável que um conjunto mais amplo de mudanças resultantes dos avanços tecnológicos acabe por ter um impacto mais profundo e duradouro nos mercados financeiros e nos bancos centrais”.

Isso ocorre porque o sistema configurado para o funcionamento do Bitcoin, o chamado blockchain, pode ser aproveitado para diversas aplicações.

Não sabemos se Bitcoin, Ether ou demais criptomoedas vão sobreviver ou mesmo desbancar as moedas tradicionais em um futuro hipotético, mas a sua tecnologia, o blockchain, vai se espalhar.

Alguém como Cathie Wood, gestora do Ark Investment, apontou o blockchain como uma das cinco tecnologias mais promissoras da década ao lado de robótica, inteligência artificial, sequenciamento de DNA e armazenamento de energia.

O motivo principal é a sua segurança: se o objetivo inicial era gravar as transações em Bitcoins, o sistema Blockchain permite o registro de qualquer tipo de informação em linha com os requisitos de autenticidade e integridade.

Assim, de maneira paradoxal, o bitcoin pode servir não para destruir, e sim para aperfeiçoar o sistema financeiro e monetário atual, composto por instituições financeiras, instituições de pagamento, fundos, mecanismos de empréstimos.

Como reconheceu Isaac Costa, “quando o mercado tem um choque de lucidez, surgem surtos de racionalidade e existe a chance de o dinheiro ir para projetos que gerem valor e não para quem sabe fazer o melhor pitch, quem é supostamente mais sexy”.

Estamos prestes a entrar numa era de acesso, custos baixos e liquidação mais rápida e facilmente verificável das transações e pagamentos. As criptomoedas são apenas a ponta do iceberg desse novo modelo financeiro.

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Nascido em Recife. Formado em filosofia pela FFLCH-USP. Mora no Rio de Janeiro e estuda direito na PUC-Rio.

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Rodrigo de Abreu Pinto

Nascido em Recife. Formado em filosofia pela FFLCH-USP. Mora no Rio de Janeiro e estuda direito na PUC-Rio.