Coloque a máscara de oxigênio primeiro em você, presidente

Rodrigo de Abreu Pinto
5 min readMay 31, 2023

O presidente Lula tem percorrido o mundo para reconquistar o prestígio internacional do Brasil após a gestão de Jair Bolsonaro. Ao todo, visitou nove países em menos cinco meses.

É digno que Lula se esforce nisso. O problema é que sua ausência em Brasília deixa o espaço livre para que parlamentares risquem o visto mais valioso de seu passaporte: a política ambiental.

O presidente ainda se readequava ao fuso após retornar do Japão quando o Congresso retirou competências das pastas do Meio Ambientes e dos Povos Indígenas, aprovou urgência para votação do marco temporal para demarcação de terras indígenas e alterou uma MP para facilitar o desmatamento na Mata Atlântica.

Lula não deve achar que estará bem na fita apenas por ser menos brutal e desumano que o presidente anterior. A ministra Marina Silva foi direta ao ponto: “Não basta a credibilidade do presidente Lula, ou da ministra do Meio Ambiente. O mundo vai olhar para o arcabouço legal e ver que a estrutura do governo não é a que ganhou as eleições, é a estrutura do governo que perdeu. Isso vai fechar todas as nossas portas”.

Assim como Dilma errou ao tardar em transferir a Casa Civil do ex-governador baiano Jaques Wagner para Lula nos meses que antecederam o impeachment, o governo erra em deixar a negociação com o Congresso nas mãos de outro ex-governador da Bahia, Rui Costa, enquanto Lula roda o mundo.

Até porque, a despeito da boa vontade de Lula, o Brasil não tem lá muito o que fazer pela resolução da guerra da Rússia contra a Ucrânia, a salvação econômica da Argentina ou a reforma do Conselho de Segurança da ONU, temas sobre os quais Lula tem discursado nas viagens. Bem diferente é o que o Brasil pode cumprir em relação ao clima mundial.

Sem nome (2015), de Cláudia Andujar

Pela primeira vez na história, o espelho invertido da ordem global posicionou o Brasil no centro das suas atenções. Não por benevolência ou pelo cuscuz, acarajé e abará, mas pelo adiantado da hora que lhe confere o status de última fronteira antes do colapso climático.

Da mesma forma que países como Estados Unidos e Rússia foram convocados para garantir a “paz mundial” em meados do século anterior, somos chamados a cumprir uma tarefa global à altura para assegurar o “clima mundial” perante o colapso climático. Como escreveu João Moreira Salles em obra recente sobre a Amazônia, “nunca tínhamos sido chamados a enfrentar um problema dessa dimensão, capaz de afetar a coletividade humana. Agora fomos”.

Os dias que antecederam a eleição de Lula se caracterizaram pelas notícias e discursos internacionais sobre o Brasil. Basta lembrar da tomada de posição de importantes veículos como New York Times, Le Monde e The Economist, além da mais importante revista científica do mundo, a Science, que interpretou a eventual reeleição de Bolsonaro como uma ameaça planetária. Quando Lula enfim venceu, a chanceler da Alemanha, Annalena Baerbock, disse que havia dois grandes vencedores naquela noite: a democracia brasileira e o “clima mundial”.

A posse presidencial foi marcada pela subida na rampa do Planalto ao lado de representantes do povo brasileiro, dentre os quais o Cacique Raoni. No dia seguinte, a posse de Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente não foi no auditório do Ibama porque seria pequeno, mudou para o teatro do CCBB e acabou sendo no auditório do Planalto onde não deu todo mundo.

Só que não basta encampar uma política eleitoral de defesa de práticas sustentáveis. Além de ganhar a eleição, é preciso interromper a destruição. Em seu discurso de posse, Marina disse que a defesa do meio ambiente “não é uma forma de fazer, é uma forma de ser”.

Foi o que ela fez quando esteve a frente do ministério do Meio Ambiente durante o governo Lula. O seu Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAM) reduziu em 67% o desmatamento na Amazônia entre 2002 e 2010. Celso Rocha Barros (no ótimo “PT, uma história”) comenta que “são resultados pelo menos tão expressivos quanto os de combate à pobreza durante os governos petistas”.

Aplicar uma agenda como essa atualmente é mais difícil em face do crime organizado que explodiu na Amazônia em anos recentes. Só que a recompensa, por sua vez, é muito maior. Basta abrir o jornal para notar que inteligência artificial e transição verde se tornaram o motor da economia mundial. O barco da primeira já perdemos. O da segunda estaremos prestes a perder caso ações de esvaziamento dos órgãos de controle e desidratação dos ministérios não sejam contidas.

As origens de Lula na indústria talvez dificultem a compreensão de que a política ambiental é a chave para atrair investimentos externos e largar na dianteira da reorganização das cadeias globais de produção. Se for o caso, o ministro Fernando Haddad tem o dever de mostrar que até mesmo o arcabouço fiscal só terá sucesso se for acompanhando de um arcabouço verde que permita desenvolver uma economia de baixo carbono no Brasil, atraindo investimentos e acelerando o PIB.

Deve soar como música aos ouvidos de um velho político desenvolvimentista que temos a chance de virar uma potência ambiental dos trópicos e quem sabe experimentar um crescimento acelerado que seja a versão contemporânea da ascensão meteórica dos Estados Unidos no pós-guerra, o estouro industrial do Japão nos anos 70 e 80 e a decolada da China a partir dos anos 2000.

Lula, que tem viajado muito, deve saber que uma das regras básicas de avião é que, em caso de despressurização, coloque a máscara de oxigênio primeiro em você e só depois na criança. Aqui também, precisamos da liderança direta do presidente na implementação da política ambiental e que só depois viaje o mundo espalhando o exemplo e atraindo investimentos.

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Rodrigo de Abreu Pinto

Nascido em Recife, é formado em filosofia pela FFLCH-USP e em direito pela PUC-Rio.