Depois do jejum, a fome: política econômica após a Previdência

Rodrigo de Abreu Pinto
7 min readJul 17, 2019

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Impeachment, Teto de Gastos, Reforma trabalhista, eleição de Jair Bolsonaro. Esses foram os principais feitos políticos dos últimos anos e todos, sem excessão, embalados pela promessa de reativação da confiança e consequente desbloqueio dos investimentos, tanto locais quanto externos dirigido ao país.

Ainda no início do ano, o discurso da reforma da Previdência era o mesmo: a desaceleração dos gastos com aposentadorias garantirá a solvência fiscal do Estado, abrindo espaço para a redução dos juros e a retomada da confiança, o que automaticamente destravará o fluxo de capitais.

No entanto, a lentidão na tramitação da PEC 6/2019 foi positiva em ao menos um aspecto: deu tempo suficiente para que mesmo os economistas que patrocinam a reforma admitissem que, sozinha, a nova Previdência não fará mágica. Desde então, várias propostas, relativas a diferentes reformas estruturais como a Previdência, já estão em discussão (a tributária, por exemplo, já está na Comissão Especial). Separadamente, nenhuma é a bala de prata de governo. Juntas, prometem a refundação e o crescimento sustentado do país.

Embora elogiáveis em si, é difícil, para não dizer impossível, concentrar todos os esforços em reformas estruturais cujos resultados só aparecem no longo prazo, sendo que hoje o desemprego beira 1/4 da população ativa (incluindo desalentados e sub-ocupados), as famílias sofrem para quitar as dívidas antigas e os cortes ameaçam o shutdown da máquina pública. Diante de situações assim, Keynes dizia que “os economistas se colocam em posição muito fácil e assumem tarefa muito inútil se, em épocas tempestuosas, a única coisa que nos dizem é que, quando a tempestade passar, o mar ficará calmo de novo”.

Trazendo ao nosso contexto, a tempestade está em voga e as ondas só não viraram o barco porque o colchão social, criado durante os anos petistas, aliviou o impacto da mais longa crise de nossa história. Ainda assim, a lembrança de Junho de 2013 e da Greve dos Caminhoneiros deveria servir de alerta, afinal, o mar pode esborrar a qualquer hora.

A importância da atuação fiscal contra-cíclica

Apelar para estímulos de curto prazo não se traduz em negacionismo do tipo que nega a necessidade das transformações estruturais. Assim como a reforma da Previdência almeja solucionar a tendência demográfica adversa, outras reformas irão suprir gargalos que sufocam a dinâmica econômica. A produtividade estagnada será enfrentada com investimentos em educação e tecnologia. Novos marcos regulatórios e reformas micro-econômicas permitirão a elevação duradoura da taxa de investimento. Espera-se que reforma bancária enseje a queda definitiva dos spreads.

Em contrapartida, sem medidas que animem a economia no plano mais imediato, não haverá ambiente para a realização daquelas reformas, sem dúvida mais complicadas. Contra quem acusa a letargia que se arrasta desde o início do mandato, o governo se justifica dizendo que está se movimentando inclusive visando o curto prazo, mas erra o foco ao priorizar somente o lado da oferta. A redução dos compulsórios bancários, por exemplo, induz os bancos a emprestarem mais, sendo que não existe demanda pelo crédito disponibilizado. De modo semelhante, ao dirimir o custo da mão-de-obra pela reforma trabalhista, os empregadores não contratam novos funcionários já que inexiste demanda crescente pelos produtos. Observando os níveis de desemprego e da ociosidade da capacidade instalada, não é difícil avaliar que sofremos um problema de demanda, o que pode piorar pois mesmo medidas necessárias podem causar consequências contracionistas, como é o caso das mudanças nas aposentadorias e os cortes de vagas no funcionalismo público.

Um sintoma de que o problema não é de oferta, mas de demanda, é o fato da taxa Selic estar em níveis historicamente baixos e, mesmo assim, dificilmente novas reduções causarão efeitos expansionistas, a não ser a diminuição dos custos da rolagem da dívida. Essa última consequência, por sua vez, fornece maior desenvoltura a atuação do Estado, pois a taxa de juros reduzida significa que o custo do ativismo fiscal também será baixo, o que é reforçado pelo cenário de inflação controlada e abaixo da meta do Copom. Como afirmou André Lara Resende, “os investimentos em segurança, educação, saúde, saneamento e infraestrutura, sobretudo quando há desemprego e capacidade ociosa, devem ser avaliados pelos seus resultados, pelos seus custos de oportunidades e seus benefícios, não pelo seus custos financeiros e seus efeitos sobre a dívida no curto prazo”.

De modo resumido, o ativismo estatal significa acionar medidas fiscais anti-cíclicas que rompem o ciclo que assistimos desde o começo do ano em que a cada queda das expectativas de receita, o governo anuncia um novo corte de gastos que, por sua vez, reprime a demanda, desacelera a economia e reduz a arrecadação, reiniciando o ciclo..

A primeira atitude do governo nesta direção é a promessa a liberação do PIS/PASEP e parte do FGTS após a aprovação da nova Previdência. Sem embargo das consequências promissoras, é bom frisar que são passageiras, tal como a liberação realizada por Temer em 2017 em que os resultados, embora positivos, não foram mais que uma marola.

Recentemente, os economistas voltaram a discutir, enquanto alternativa econômica ao país, o ativismo estatal concentrado em investimentos em infraestrutura. Além dos efeitos imediatos e do elevado multiplicador fiscal, as obras de infraestrutura movimentam enormes recursos e empregos (fundamental em um país do tamanho e população do Brasil), gerando ainda externalidade que reduzem os custos da economia como um todo.

Atualmente, esses investimentos públicos correspondem a 1,8% do PIB (ver gráfico abaixo), insuficiente até mesmo para a manutenção das atuais instalações. As causas de níveis tão baixos são variadas, dentre as quais se destacam o congelamento do orçamento público pelo Teto de Gastos e a retração dos investimentos do BNDES, além das sequelas da operação Lava Jato que colapsou as empresas de construção civil e até hoje assombra as canetas de infraestrutura do governo. Diante de cenário tão desfavorável, o voluntarismo salvacionista da mão invisível do mercado não pode abdicar do papel ativo do Estado.

Gráfico extraído do Valor Econômico.

Quatro propostas para viabilizar investimentos públicos em infraestrutura

Levando em conta as necessidades imediatas, listo abaixo quatro alternativas recentemente discutidas por economistas, todos cientes que a economia brasileira não pode esperar.

1) Na carta lançada pelo IBRE/FGV, os economistas identificam que é a meta fiscal (relação entre receitas e despesas do governo), e não o Teto de Gastos, que está represando os gastos do governo, pois a meta do ano corrente foi fixada abaixo do limite do Teto. Sendo assim, defendem uma alteração na meta, o que permitiria um déficit primário maior e o espaço liberado seria utilizado ou para despertar o Minha Casa Minha Vida; ou para a retomada das obras públicas paralisadas e a manutenção dos equipamentos públicos deteriorados. Para essa última opção, o valor sugerido é de R$ 35 bilhões, equivalente a 0,5% do PIB.

2)Laura Carvalho sugere uma alteração diretamente no Teto de Gastos, um pleito que enfrenta maiores obstáculos mas que desobtura melhores possibilidades ao governo. Por um lado, é verdade que o Teto cumpriu uma função razoável ao frear o crescimento dos gastos públicos (o qual cresceu 6,5% além da inflação entre 96 e 2016, ano em que o Teto foi implementado e estabilizou as despesas), daí a resistência do mercado em aceitar sua alteração. Por outro, a rigidez da regra e a duração totalmente irreal (20 anos) exigem uma modificação imediata, sem a qual perdura a falta de autonomia do governo, incapaz de exercer qualquer papel anti-cíclico. A economista sugere duas alterações na regra: primeiro, os investimentos devem ser excluídos do limite do Teto (assim como é na Regra de Ouro); segundo, o limite do Teto deve se alterar de acordo com o aumento das receitas do governo. O momento para tais proposições sobre o Teto é oportuno porque a Câmara está prestes a rediscutir o modo de acionamento dos gatilhos (referentes ao descumprimento da regra). Caso a proposta da economista seja levada em conta, o governo não precisaria acionar os gatilhos tão prematuramente, preservando a regra na mesma medida em que a flexibilização fornece raio de ação ao governo.

3) Uma outra alternativa, formulada por Fernando de Holanda Barbosa, não envolve necessariamente alterações em parâmetros fiscais como as anteriores. Considerando as privatizações planejadas pelo ministro Paulo Guedes, uma parte da receita decorrente das vendas seria canalizada para investimentos em infra-estrutura. Além das privatizações, valeriam ainda os recursos dos leilões do Pre-Sal que serão realizados no final do ano. O objetivo é que os ganhos não sejam automaticamente direcionados para o abatimento da dívida pública, liberando uma parte para investimentos em infraestrutura devidamente planejados pelo governo.

4) A opção relativa a venda das reservas internacionais foi certamente a que causou mais discussão. Dentre os economistas que discutiram o tema, todos concordam com o FMI de que o Brasil possui um excedente de reservas que pode irrigar outra aplicação. Josué Pellegrini sugere que o excedente quite parcelas da dívida pública. Guilherme Mello e Ricardo Carneiro aventam a oportunidade das reservas financiarem um fundo de investimento para a compra de debêntures de infraestrutura. Por fim, Mônica de Bolle vai além e não apenas recomenda que as reservas financiassem empréstimos do BNDES a grandes construções, como afirma que os recursos podem “elevar os gastos com programas sociais para reduzir a desigualdade e a insegurança econômica dos mais atingidos pela lenta recuperação”, o que provocaria um efeito positivo sobre a seguridade e a demanda das famílias.

As propostas acima podem e devem ser combinadas e executadas em conjunto. Para isso, será preciso que reatemos a coordenação entre o Executivo e o Congresso. Sem essa articulação, os projetos tendem a fracassar, sobretudo porque precisam ser aprovados no Congresso e então executados com cuidado, preservando o expansionismo da repetição dos erros da experiência do governo Dilma. Portanto, caso falhemos politicamente, a calamidade social, ungida a pressão popular, provavelmente incentivará reações apressadas e desarticuladas entre os poderes, principalmente pela proximidade das eleições municipais.

Se, em vista do atual governo, a tarefa de coordenação parece colossal, imaginem quão difícil será remediar a economia dos efeitos permanentes da estagnação (incerteza perene; endividamento crônico; fuga de cérebros; desqualificação da mão de obra por inatividade; destruição de equipamentos públicos; queda da taxa de natalidade; etc), caso continuemos abaixo do potencial por mais algum tempo. Olhando por essa ótica, espero que os motivos sejam suficientemente fortes para que a cisão entre Executivo e Congresso não pareça impossível de articular.

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Rodrigo de Abreu Pinto
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Written by Rodrigo de Abreu Pinto

Advogado (PUC-Rio) e Filósofo (FFLCH-USP). Diretor de Inovação da Câmara de Comércio Brasil-Portugal.

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