Derrotar Bolsonaro antes do segundo turno

Rodrigo de Abreu Pinto
4 min readSep 8, 2021

As pesquisas apontam a consolidação de Lula na liderança da disputa presidencial em percentual que já ultrapassa a faixa dos 40%. Faz sentido pensar numa vitória do petista no primeiro turno?

Se isso acontecer, obviamente a principal razão terá sido o fiasco do governo Bolsonaro em assegurar a melhoria das condições de vida dos brasileiros, além do recall de votos do ex-presidente Lula.

Mas há, ainda, uma razão estrutural para que 2022 seja decidido no primeiro turno: o reduzido número de candidaturas competitivas e a consequente polarização entre as duas candidaturas viáveis.

A matemática é simples: quanto menos candidaturas competitivas, maior a chance de uma delas superar a metade dos votos válidos.

Pesquisa Genial-Quaest — Setembro de 2021

Para isso, leva-se conta a incapacidade congênita da direita não-bolsonarista se organizar em torno de uma candidatura viável. Na pesquisa recente da Quaest, os votos de tal direita somados sequer atingiram 20%, mesmo com nomes conhecidos do público como Ciro, Dória, Mandetta e Datena.

Ao lado disso, a polarização galvaniza a atenção e sensibilidade em torno dos dois polos, evitando a dispersão de votos no primeiro turno.

Em paper recente, Leonardo Zeine, Marcio Morreto Ribeiro e Pablo Ortelado mostraram que o Brasil tem alto grau de polarização das opiniões políticas de massa e o alinhamento dessas opiniões com a identidade de esquerda ou de direita.

Numa política fraturada entre esquerda e direita de modo identitário, assumir um dos lados significam inclusão e reconhecimento. Afastar-se de ambos os polos não significa rumar ao centro porque esse, afinal, é esmagado pela polarização, de modo que o afastamento se dá em detrimento da inserção social e do lugar de fala nos debates públicos. A polarização, em suma, o aumenta os custos de assumir uma posição diversa, a começar pela “isentão” que define quem não assume a um dos dois polos

A eleição de 2022 pode inaugurar uma era em que as eleições presidenciais estão concentradas em nomes altamente polarizados entre si.

O final da ditadura iniciou um capítulo da história nacional de onde brotaram partidos e nomes, a começar pela eleição de 1989 em que disputaram cinco candidatos competitivos (Collor, Lula, Brizola, Covas e Maluf).

Já FHC venceria as duas eleições seguintes no 1º turno (94 e 98). Diferente da atual possibilidade, as vitórias antecipadas do tucano não se deram em consequência da polarização em torno de duas candidaturas, mas da hegemonia despolarizada em que FHC, na esteira do Plano Real, despontara em relação aos demais candidatos. Prova disso é que bastou FHC sair de cena e a eleição de 2002 contou com quatro candidaturas como mais que 10% de votos no primeiro turno (Lula, Serra, Ciro e Garotinho).

Desde então, o número de concorrentes competitivos gira em torno de três, incluindo a última eleição (Bolsonaro, Haddad e Ciro). Nessa ocasião, frisa-se que as intenções de voto em Ciro subiram especialmente após a ruína da candidatura de Lula, substituído por Haddad que não tinha o condão de encarnar o antibolsonarismo e acirrar a polarização com Lula. Só não se deve perder de vista que, já ali, um candidato (no caso, Bolsonaro) quase ganhou a eleição no 1º turno.

Com a reforma eleitoral recém-aprovada na Câmara, que permitiu a volta das coligações, os partidos se verão menos necessitados a lançar candidatos presidenciais no primeiro turno para galvanizar as candidaturas de deputados e senadores. Há também as dificuldades de financiamento eleitoral estão pressionando os partidos a se concentrarem em disputas estratégicas, priorizando recursos para disputas realmente competitivas.

Uma vitória no primeiro turno contra Bolsonaro é de suma importância, e não apenas do ponto de vista dos cálculos eleitorais (como o fato de eleger um presidente no 1º turno facilita a eleição de governadores aliados nos 2º turnos estaduais), mas para diminuir a legitimidade e própria viabilidade do golpe que o presidente ensaia para o período eleitoral. Como afirmou Marcos Nobre, “Bolsonaro não vai dar golpe no 7 de Setembro, mas atos são preparação para isso”.

A extrema direita já demonstrou uma capacidade exemplar de organizar o voto dos desorganizados e cidadãos comuns às vésperas da eleição, a exemplo da ascensão meteórica de votos de Trump em 2020 e o acirramento do antipetismo no 2º turno das eleições municipais do mesmo ano que levou a derrota de petistas em todas as capitais.

A provável vitória de Lula não deve inspirar um otimismo negligente na oposição, mas torná-la ciente de que uma vitória no primeiro turno é viável e urgente. As forças democráticas, em especial de esquerda, devem se unir para isso.

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Rodrigo de Abreu Pinto

Nascido em Recife, é formado em filosofia pela FFLCH-USP e em direito pela PUC-Rio.