Entulho burocrático e desenvolvimento econômico

Rodrigo de Abreu Pinto
3 min readJun 30, 2021

Num país em que a imprensa discute Orçamento Público e Teto de Gastos como se equilíbrio fiscal fosse o único objetivo da política econômica, não espanta que a aprovação da Medida Provisória nº 1.040 na Câmara tenha passado despercebida.

Mais conhecida como MP do Ambiente de Negócios, por meio dela as empresas vão ter um único cadastro de empresa (CNPJ), a emissão de alvarás e certificados vão ser agilizados, a criação do Cadastro Fiscal Positivo vai facilitar a comprovação de regularidade fiscal, entre outras coisas positivas.

São medidas que diminuem os entulhos burocráticos da legislação brasileira, que não só geram ineficiência administrativa, como prejudicam o crescimento do país pelo desestímulo ao investimento privado.

Isolante (2019) de Marcius Galan

Projeto do ministério da Economia, o objetivo da MP é a melhora do ambiente de negócio visando elevar a posição do Brasil no Doing Business, o ranking do Banco Mundial que mede a facilidade de fazer negócios em 190 países segundo critérios como velocidade na abertura de empresas, execução de contratos, pagamentos de impostos, proteção a acionistas minoritários, etc. O Brasil nunca figurou entre os 100 primeiros da lista e esteve na 124ª posição na última edição (2019).

A ideia de se basear em parâmetros internacionais não é ruim. Tampouco é prova de submissão ao neoliberalismo ou ao capitalismo financeirizado. O governo do Lula, por exemplo, provou que desenvolvimento econômico e social não está desvinculado da adoção de boas práticas internacionais, embora essas, por si só, obviamente não bastem.

Tratando-se do governo Bolsonaro, há uma contradição flagrante na adoção de um índice reconhecida pela comunidade acadêmica como o Doing Business. Esse é o governo de quem optou pelo negacionismo fácil, oportunista e genocida, diante da pandemia, em lugar das evidências científicas que teriam salvo milhares de vidas. O ministro Paulo Guedes, por sua vez, a despeito de espernear contra o Estado, tampouco se esforçou pela realização do Censo, somente em função do qual seria possível medir os resultado das políticas públicas e onde o Estado é, ou não, necessário.

Isolante (2019) de Marcius Galan

Por isso, não surpreende que uma vez dispostos a se basear nos parâmetros do Banco Mundial, o pêndulo do governo rapidamente se mova do negacionismo para a mera adoção protocolar e abstrata. Tudo começou em Davos, ainda em 2019, quando Bolsonaro prometeu que o Brasil ingressaria no top 50 do Doing Business, prenhe do otimismo ingênuo de quem acredita que se constrói um país da noite para o dia. Foi assim que nasceu a MP de Ambiente de Negócios.

Em primeiro lugar, as mudanças não justificam o uso de Medida Provisória, e não de projeto de lei, visto que lhe faltam os requisitos de relevância e urgência que legitimariam o instrumento (tal como obriga o art. 62 da Constituição). Pior do que isso, a agonia em preencher os requisitos do ranking resultou em alterações que renegam o princípio básico de que o ambiente de negócio se constrói com base na prática, e não na lei. Os piores exemplos estão nas mudanças na Lei de Sociedades Anônimas, a respeito das deliberações da Assembléia e da composição do Conselho de Administração, que não se respaldam em como as companhias, de fato, organizam-se no país. Como a tramitação da MP é mais curta, certamente não haverá tempo nem diálogo suficiente para sanar os equívocos no Senado.

A despeito dos problemas, a MP é bem-vinda. Reformas recentes como a Lei de Liberdade Econômica e o Marco legal das Startups, além da própria MP do Ambiente de Negócios, sugerem caminhos desburocratizantes que caberá ao próximo presidente desdobrar e aprimorar. O Estado brasileiro não tem tamanho ou instrumentos necessários para comandar o investimento sem a sinergia com o investimento privado, daí a necessidade de torná-lo mais fácil e eficiente. Se Keynes ensina que o gasto público é indutor do investimento privado, é questão de livrar as amarras fiscais do Estado e, não menos importante, os entulhos burocráticos do caminho de quem almeja empreender.

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Rodrigo de Abreu Pinto

Nascido em Recife, é formado em filosofia pela FFLCH-USP e em direito pela PUC-Rio.