Esperando o quê?

Rodrigo de Abreu Pinto
4 min readNov 4, 2020

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Qualquer pessoa que acompanha o noticiário sabe que o auxílio emergencial está prestes a acabar e o governo, por sua vez, não tem nada para pôr em seu lugar. O que não cabe nas manchetes é que também vai faltar dinheiro para recursos de saúde, obras de reparo da infraestrutura e o mero funcionamento da máquina pública. Tomando o exemplo de anos anteriores, podemos ter problemas na emissão de passaporte pela falta de papel… e pela falta de empenho dos políticos em resolver a questão, parece até que, tudo bem, o dólar está caro mesmo.

O líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), afirmou que “está tudo absolutamente dentro da normalidade”, afinal, o governo está preparado para votar as reformas constitucionais (tributária, administrativa e federativa), que vão liberar espaço no Orçamento, logo após as eleições. É bom lembrar, pois talvez o deputado tenha esquecido, que os pleitos municipais ocorrerão mais tarde, por causa da pandemia, e o 2° turno será somente em final de novembro. Dali até o recesso de final de ano serão poucos dias, momento em que os parlamentares estão longe de Brasília… e que ninguém se engane quanto as viagens ao exterior: a desigualdade no Brasil é tão grande que as elites viajam independente do dólar.

Verão (2010) de Rodrigo Bivar;

Na verdade, é difícil saber qual crença é mais vã: a que prega que tais reformas serão suficientes para fazer milagre no Orçamento ou a que proclama que teremos uma janela de oportunidade entre a eleição e o final do ano. Depois da eleição municipal, afinal, teremos outra eleição das presidências do Congresso. E essa, sim, tem sido a verdadeira razão da paralisia do Congresso — por obra não do destino, mas do próprio governo cuja base parlamentar, liderada pelo Centrão de Arthur Lira (PP-AL), não pretende votar o Orçamento de 2021 na reta final da gestão de Rodrigo Maia (DEM-RJ) porque a escolha das vagas na Comissão Mista de Orçamento (CMO) daria capital político para o atual presidente da Câmara cravar o seu sucesso.

A consequência disso não é outra se não que, sem o Orçamento aprovado, começaremos 2021 na base do “controle do gasto na boca do caixa” — que significa a liberação apenas do mínimo necessário para as despesas essenciais, como explica o economista Nelson Barbosa — enquanto o Orçamento corrente será votado às pressas só em fevereiro, após a eleição dos novos presidentes das casas.

A discussão em torno do Orçamento seria o momento ideal de revisar o Teto de Gastos com transparência para garantir o investimento do Estado, sem abrir mão da responsabilidade fiscal, para além do maniqueísmo do “com” ou “sem” Teto. Em lugar disso, as conversas estão paralisadas e, pior, ninguém sabe o que será do país quando os programas emergenciais acabarem. O ambiente de indefinição mina a credibilidade do gerenciamento da política econômica e as consequências são conhecidas: o desestímulo aos investimentos e a ruptura das expectativas dos agentes econômicos, o que impacta desde os empresários (cujos investimentos produtivos e IPOS estão sendo adiados) até os beneficiários de programas sociais que ficam sem previsões quanto a renda pessoal.

Turista Azul (2010) de Rodrigo Bivar.

Se os integrantes do governo parecem despreocupados, é porque estão aproveitando a relativa paz parida pelas verbas e créditos emergenciais. Bastaram os mínimos ganhos de popularidade para que Bolsonaro tornasse aos ataque contra os adversários, além das solenidades juntos aos novos aliados do Centrão que afagam o presidente de olho na minirreforma ministerial prometida para fevereiro. Já Paulo Guedes comemora que venceu a richa com o Banco Mundial, que tinha previsto uma queda abissal da economia brasileira bem maior e foi duramente criticada pelo ministro da Economia. A instituição de fato, acabou alterando a queda do Brasil de 8% para 5,4% — ainda é feia, embora melhor que os demais emergentes — motivo suficiente para Guedes se esbaldar enquanto finge não notar que a previsão para 2021 é das piores, e as razões para isso tem muito a ver com incertezas que discutimos acima.

Já no andar de baixo, a quietude tem motivos parecidos: por um lado, os parlamentares estão gerindo o alto volume de execução das emendas parlamentares, que atingiu valor recorde neste ano; por outro lado, os governadores estão anestesiados já que a pandemia suspendeu o pagamento das dívidas dos Estados com a União, o auxílio emergencial elevou a arrecadação e a transferência de recursos da União inteirou o pagamento da folha.

Os problemas voltam em 2021 e, até lá, estaremos caminhando de olhos vendados embora cada vez mais rentes ao precipício fiscal — o limite, a partir do qual, os estímulos serão brutalmente reduzidos sem que os agentes políticos abram os olhos para soluções que preservem parte dos gastos essenciais à retomada econômica. Muita gente riu que o ex-presidente FHC tenha dito que “no fundo vivemos, e pior, mansamente, o início de uma crise política” — afinal, a crise já está aí faz tempo — mas talvez ele esteja se referindo a uma crise ainda mais profunda que o fim do ano prenuncia.

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Rodrigo de Abreu Pinto
Rodrigo de Abreu Pinto

Written by Rodrigo de Abreu Pinto

Advogado (PUC-Rio) e Filósofo (FFLCH-USP). Diretor de Inovação da Câmara de Comércio Brasil-Portugal.

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