Fim do Estado

Rodrigo de Abreu Pinto
3 min readMar 18, 2019

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O governo negociou a concessão de doze aeroportos de uma só vez, equivalente a 9,5% do mercado doméstico aeroportuário (quase 20 milhões de passageiros/ano). O desenho do leilão foi realizado ainda na gestão de Temer e estabeleceu três pacotes distintos — Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste — cada qual reunindo aeroportos com diferentes níveis de retorno esperado. Trata-se da ação econômica mais importante do governo Bolsonaro até então, principalmente relativo ao aumento das receitas.

A relevância do tema é porque apenas a agenda de concessões em infraestrutra pode gerar bons resultados para o investimento neste ano. O Teto de Gastos limita os demais investimentos — afinal, este sempre foi o objetivo da medida draconiana também desenhada por Temer, a saber, confinar o raio de ação do governo para que a atuação privada se tornasse a única solução possível.

Em relação ao dinheiro que entra nos cofres, o governo receberá R$ 2,4 bilhões à vista, quantia que significa um alívio miúdo e temporário para as contas públicas. O governo ainda espera arrecadar cerca de R$ 2 bi com percentuais da receita brutas dos aeroportos vão para o tesouro, mas não imediatamente já que as empresas estão livres desta transferência durante os primeiros cinco anos e, em seguida, a alíquota sobe progressivamente até cerca de 8%.

Como estamos sob os auspícios do Teto de Gastos, a receita imediata não pode ser utilizada para investimentos públicos, pois o limite do Teto de Gastos não é modificado pela entrada de novas receitas. Portanto, o valor é canalizado para o pagamento da dúvida. Por isso, o mais interessante são os investimentos que as próprias empresas se comprometem a fazer, de acordo com o valor estabelecido pelo governo, R$3,5 bi. Desse total, R$ 1,47 bi serão investidos nos próximos cinco anos em serviços como disponibilização de internet wi-fi gratuita, revisão dos sistemas de ar-condicionado e escadas rolantes, correção de desgastes na infraestrutura dos aeroportos.

As comemorações do governo e de boa parte da imprensa (basta ler o enfático editorial da Folha de São Paulo no dia seguinte) se basearam no ágio médio de 1000% sobre o valor dos aeroportos. No entanto, este percentual elevadíssimo não indica necessariamente que o preço final foi alto, mas que o inicial foi muito baixo. Quando o governo petista negociou os aeroportos de Guarulhos, Campinas e Brasília, o ágio médio foi de 347%.

Deve ser levado em conta que duas empresas européias foram vencedoras do leilão, principalmente a estatal espanhola Aena que gastou R$ 1,9 bi em seis aeroportos do Nordeste com forte potencial turístico. Nos últimos anos, as constantes investidas de estatais européias em negócios semelhantes revelam um duplo interesse: econômico, dada a ampliação de mercado aos produtos e fornecedores europeus que se tornam abastecedores destes novos empreendimentos; geopolítico, consolidando a influência política nos respectivos países latino-americanos. Assistimos recentemente a estatal italiana Enel comprando a Eletropaulo, assim como fizera antes com estatais elétricas do Chile, Peru e Colômbia. Agora, Aena aporta um investimento maciço no mercado brasileiro, tal como já participa da administração de aeroportos na Colômbia, México e Jamaica.

De olho no caso brasileiro, enquanto o Teto de Gastos comprime os investimentos públicos e o país se acomoda na reprimarização da sua economia, são as estatais européias que aproveitam a política de taxa de juros reduzida do BCE para tirar imensas casquinhas do desmonte do Estado brasileiro. E tem gente que ainda insiste que o problema é o Estado, seja lá qual for.

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Rodrigo de Abreu Pinto
Rodrigo de Abreu Pinto

Written by Rodrigo de Abreu Pinto

Advogado (PUC-Rio) e Filósofo (FFLCH-USP). Diretor de Inovação da Câmara de Comércio Brasil-Portugal.

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