In Fux We Don’t Trust
É ótimo que o Supremo esteja em voga na imprensa e que “esse outro desconhecido”, como chamava o ex-ministro Aliomar Baleeiro, tenha se tornado mais transparente e rente a população ao longo dos últimos anos.
Nos últimos dias, no entanto, a intensa cobertura da troca do presidente da Corte — sai Dias Toffoli e assume Luiz Fux — me deixou com a pulga atrás da orelha. Assim como os holofotes de julgamentos como o Mensalão e a Lava Jato inflaram as vaidades e versaram a conduta decisória dos ministros, a expectativa criada sobre a gestão do presidente do Supremo é, no mínimo, ambígua. O mesmo Aliomar Baleeiro dizia que o presidente do Supremo deve funcionar apenas como um garçom que distribui as coisas — inclusive porque a sucessão obedece apenas uma ordem burocrática de idade, e não uma eleição propriamente dita.
Mas o pior é constatar que essa expectativa exagerada está ancorada na própria lembrança quanto a condução heterodoxa, para dizer o mínimo, dos últimos presidentes do Supremo enquanto fizeram um uso oportunístico das prerrogativas do cargo (o papel de interlocutor com os demais poderes; a coordenação da pauta de julgamentos; a função de plantonista durante o recesso). Tomando como exemplos os dois últimos presidentes: Carmen Lúcia ficou marcada pela manipulação da pauta que adiou o julgamento de mérito das ações envolvendo a prisão em 2ª instância; Dias Toffoli pelos conchavos com Jair Bolsonaro, que aprendeu a lição e há meses ensaia a aproximação com Fux: “É o futuro presidente do Supremo. Tenho que começar a namorá-lo a partir de agora”, afirmou.
É possível que o presidente saiba que a caneta monocrática de Fux já foi mãe de inúmeras arbitrariedades, e por isso a confiança de que o namoro pode render filhos graúdos. Para quem não lembra, a caneta de Fux já passou por cima dos pares ao derrubar decisões como a de Toffoli quanto ao juiz de garantias ou de Lewandowski que autorizava a entrevista de Lula. O carioca já atropelou o Legislativo ao definir sozinho a ordem de votação dos vetos presidenciais no Congresso ou quando cancelou a votação da Câmara que tinha alterado o pacote anticorrupção (proposto pela força tarefa de Curitiba). Também violou as contas públicas ao segurar o auxílio-moradia ilegal aos juízes, inclusive ele, durante quatro anos.
O recém-egresso Dias Toffoli assumiu o Supremo com o objetivo de moderar o ativismo judicial da corte e sua gestão, contudo, foi criticada pelo motivo oposto: o pêndulo se deslocou do ativismo para a omissão perante as posturas autoritárias do presidente Bolsonaro. O desafio de Fux, por sua vez, será encontrar a justa medida dessa relação — “deferência não se confunde com contemplação e subserviência”, como já disse no discurso de posse — e para isso o novo presidente se vale de uma trajetória profissional e acadêmica mais robusta que a de Dias Toffoli (no direito, antiguidade é posto). A questão é que os julgamentos da Lava Jato já revelaram um Fux altamente influenciado pela opinião pública: se Toffoli vacilou porque queria se livrar do estigma de petista, o medo de Fux estaria em contrariar eventuais maiorias.
Em seu primeiro ato como presidente, Fux divulgou a pauta de julgamentos no plenário até dezembro e priorizou a agenda econômica em detrimento de temas sensíveis que possivelmente levariam o Supremo ao centro do debate público. A crítica que se deve fazer é que julgamentos importantes — envolvendo o porte de drogas e a interrupção da gravidez por exemplo — não deveriam ser adiados pela má vontade do presidente em aceitá-los, sobretudo quando já estão esperando há muito tempo. O mesmo Luiz Fux, quando defendia a Lava Jato diante dos demais ministros, reclamou que os corruptos estariam sendo salvos por filigranas processuais, então agora seria o caso de dizer que a urgência de ‘temas sensíveis’ estariam sendo relegadas por filigranas contextuais.
Embora o passado alimente nossa desconfiança, o que se espera do novo presidente do Supremo é que preserve a institucionalidade, privilegie o colegiado e não abra mão da efetivação dos valores constitucionais em nome de qualquer espécie de filigranas, inclusive do presidente.