Maturidade e incipiência do mercado de capitais brasileiro
Na 3ª temporada de Succession, a família Roy discute o apoio a um candidato republicano à presidência dos Estados Unidos. A filha do magnata Logan Roy então retruca que o candidato preferido da família é um fascista e, caso eleito presidente, transformará os Estados Unidos numa “república russa, berlusconiana ou brasileira”.
O dano causado pelo atual presidente à imagem do Brasil é incalculável. Em outro exemplo didático, não há quem assista o recém-lançado Don’t Look Up no Netflix e não lembre da família Bolsonaro, ainda mais depois que Trump deixou a presidência.

Para que nos reconectemos com nossas próprias forças visando a eleição de 2022, é bom lembrar o orgulho que sentimos com a glória de brasileiros nas Olimpíadas de Londres. Ou, ainda, o sucesso de companhias brasileiras que estrearam recentemente em bolsas estrangeiras.
No começo de dezembro, o IPO do Nubank na Bolsa de Valores de Nova York (NYSE) o tornou o banco mais valioso da América Latina, valendo nada menos que US$ 41,7 bilhões.
Desde os anos dois mil, dois processos inspiram a integração dos mercados financeiros e de capitais de todos os países: (i) a globalização, pela qual as companhias optam pelas bolsas internacionais que lhes oferecem maiores vantagens competitivas, independentemente do local onde estão situadas; (ii) a desmutualização das bolsas, pela qual as bolsas se tornaram companhias abertas e que visam o lucro, daí o interesse em competir por mais emissores.
Em âmbito nacional, a competição entre as bolsas ao redor do mundo por novas emissões se expressa no recente movimento de empresas nacionais realizando ofertas públicas em mercados estrangeiros.
O interesse de bolsas como NYSE e Nasdaq em companhias brasileiras, outrora concentradas em congêneres europeias ou chinesas, atesta certa maturidade do ambiente empresarial do país, tanto dentro quanto fora da bolsa de valores.
O Nubank é um exemplo de companhia que conquistou porte sem sequer acessar o ambiente bursátil. Afinal, na última década, o Brasil desenvolveu um ambiente de investimento diversificado em que as empresas, inclusive as de menor porte como as start-ups, ganharam acesso a canais alternativos de financiamento como o investimento privado por fundos de investimento, a securitização de recebíveis e as ofertas restritas de títulos de dívida. À isso somou-se a agenda pró-competição do Banco Central que diminuiu as barreiras de entrada e viabilizou o negócio das fintechs, criando ambiente regulatório convidativo aos fundos que apostaram no Nubank.
A XP estreou na bolsa de Nasdaq em 2019 com a nona maior emissão do mundo naquele ano. Assim como o Nubank, a XP saltou direto para a bolsa estrangeira (a empresa cancelou um IPO na B3 de última hora após receber a proposta de compra do Itaú), mas sua ascensão como a corretora do Brasil está diretamente relacionada a evolução do mercado de capitais brasileiro. A jornalista Maria Luíza Filgueiras narra a história da XP em Na raça, onde destaca em vários momentos o papel da CVM que mediante a criação de um ambiente regulatório institucional receptivo, aumentou a competitividade das corretoras em face dos bancos com mudanças na regulação dos agentes autônomos, ofertas públicas, etc para criar “um ambiente menos insalubre para os pequenos investidores”.
Agora, quem planeja listar capital no exterior é a Natura. A empresa ingressou na bolsa brasileira em 2004 num IPO histórico por, pelo menos, três motivos: (i) foi o primeiro IPO de uma série de quase cem lançamentos que se estenderia até a crise de 2007; (ii) realizado num momento em que o mercado ainda era dominado quase exclusivamente por estatais, bancos, siderúrgicas; (iii) quase 15% das ações foram negociadas com pequenos investidores, feito raríssimo e que simbolizava o início de uma nova era de democratização do mercado de capitais brasileiro.
A listagem da Natura permitiu que a companhia se capitalizasse ao longo dos anos numa jornada em que se transformaria na 4ª maior empresa do mundo em higiene e beleza. Com as aquisições da Avon, The Body Shop e Aesop, a companhia assumiu um porte que justifica a listagem no exterior para refletir a atual distribuição geográfica dos ativos e seu nível global de exposição. Pode-se dizer que a ascensão da companhia se deu em paralelo aos aperfeiçoamentos da B3 e, especialmente, a popularização da Bolsa de Valores que tinha 100 mil investidores pessoas físicas em 2004 e hoje alcança cerca de 4 milhões.
Os motivos que inspiram uma companhia a abrir capital no exterior são variados e incluem (i) melhor precificação e liquidez; (ii) inserção internacional da marca; (iii) captação em moeda historicamente forte mesmo em cenários adversos (dólar); (iv) por terem captado recursos privados junto a fundos internacionais de venture capital ou private equity em suas fases iniciais; (v) entre outros.
Nesse sentido, quando uma companhia opta por abrir capital no exterior, não necessariamente o faz em detrimento do mercado brasileiro, mas pelas possibilidades que o maior mercado do mundo naturalmente oferece.
Por outro lado, não é menos verdade que limitações do mercado brasileiro estão impelindo companhias ao exterior. Se Lojas Americanas, Banco Inter e a Locaweb estão atualmente planejando sair da bolsa brasileira, elencam como razões respectivamente a vedação ao voto plural da B3, as condições macroeconômicas que deterioradas e o setor de tecnologia que não deslanchou como se esperava e dificulta o valuation das techs.
Por isso, é fundamental aprimorar o ambiente de negócios brasileiro tanto para competir por investidores e companhias nacionais, evitando que migrem para bolsas internacionais, como por investidores e companhias estrangeiros, para que negociem em nosso mercado (assim como o ecossistema de startups atraiu as colombianas Rappi e Merqueo, a bolsa brasileira deve mirar as companhias de países vizinhos cujo mercado de capitais ainda é incipiente).
Se, em alguns casos, a listagem no exterior é inevitável em razão do porte econômico e projeto de internacionalização em curso, como no caso da XP, para todos os outros é preciso que a bolsa brasileira seja atraente suficiente.
Da mesma maneira, é ótimo que a bolsa de valores não seja mais vista como locus exclusivo de acesso a capitalização, tal como no exemplo da Nubank que cresceu via investimento privado por fundos de investimento. Contudo, os 400 números de empresas listadas ainda contrasta com a magnitude econômica e geográfica do país.
Em dissertação denominada “Obstáculos ao Financiamento de Pequenas e Médias Empresas Por Meio do Mercado de Ações no Brasil”, Gabriela Andrade Góes identificou que as barreiras que afastam as pequenas e médias empresas estão relacionadas a vários motivos, dentre os quais receio de perda de controle da sociedade, a desconfiança na entrada de novos sócios, a preocupação de divulgação de informações, a resistência à implementação de práticas de gestão profissionalizada. O principal obstáculo, porém, ainda seriam os custos de abertura de capital e de manutenção de uma companhia aberta, ambos muito altos para empresas de menor porte.
Por isso, que em 2022 a CVM siga inspirada a promover reformas amplas e ambiciosas na regulamentação vigente para que o mercado de capitais brasileira esteja à altura do seu potencial.
Quanto ao presidente que vencer a eleição em 2022, que reconstrua os alicerces da política macroeconômica para que reconquistemos a estabilidade necessária — seja da moeda, seja da dívida pública — visando reverter a atual migração de investidores para renda fixa na esteira do ambiente de juros altos e inflação no país.
Feliz 2022!