Moção de desconfiança
O começo do governo Bolsonaro foi permeado de nomeações para cargos comissionados que despertaram inúmeras suspeitas. A começar pelas indicações para as estatais, acusadas pelo presidente de virarem cabides de emprego dos governos petistas, que tão logo encheram os noticiários nos primeiros dias do novo governo.
O filho do vice-presidente Mourão, funcionário do Banco do Brasil, ganhou uma promoção e virou assessor-especial do presidente da instituição. Além de triplicar o salário, deixou os demais funcionários indignados com tamanho desrespeito com as normas do plano de carreira do banco.
Assim como o filho de Mourão, Carlos Nagem, “amigo particular” de Bolsonaro, era funcionário de uma estatal, a Petrobrás. Ele foi indicado pela direção da empresa para assumir a gerência executiva de Inteligência e Segurança Corporativa da estatal. Após as críticas, Bolsonaro postou o currículo do amigo e twittou que “a era do indicado sem capacitação técnica acabou, mesmo que muitos não gostem”. Três dias depois, a direção da Petrobrás recusou a nomeação, alegando que o amigo do presidente não possuía a experiência requerida para tal posição gerencial.
Já nos cargos relacionados aos Ministérios, a funcionária da agência de comunicação que contratou disparos em massa no WhatsApp para a campanha de Bolsonaro assumiu um cargo comissionado na Secretaria-Geral da Presidência. Uma amiga da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, foi nomeada para chefiar uma secretaria do ministério dos Direitos Humanos. A mulher do chefe de gabinete do ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, virou assessora especial no Ministério da Cidadania.
De modo surpreendente (ou não), o próprio Jair Bolsonaro acaba de assinar um decreto que promete “acabar com a festa”. O decreto nº 9.727, lançado ontem, elencou critérios objetivos que estabelecem novas exigências para a ocupação de cargos comissionados no Executivo. Essas condições mudam de acordo com o escalão do cargo, ou seja,quanto mais alto, maiores requisitos necessários. Para os cargos de níveis mais elevados (5 e 6), por exemplo, o decreto obriga que o indicado atenda ao menos um dos seguintes critérios: 1) ter exercido cinco anos em atividades da mesma área de atuação do órgão; 2) já ter ocupado um outro cargo comissionado (nível 3 ou superior) por três anos; 3) possuir título de mestre ou doutor em matéria relacionada ao cargo.
Para os demais cargos de níveis inferiores, aplica-se a mesma lógica com exigências de experiências prévias e especializações reduzidas.
Ainda assim, o decreto possui dois pontos que chamam atenção. O primeiro é uma brecha no projeto, já os critérios só serão efetivamente aplicados a partir de 15 de maio — o que é justificável, pois não atrapalharia nomeações que já estariam em andamento, mas que pode vim a ser um atalho para a realização de um “banquete antes dieta”. O segundo é uma excessão, configurada na prerrogativa do ministro da respectiva pasta para, mediante pedido expresso, nomear determina pessoa para um cargo comissionado ainda que o mesmo não preencha os critérios citados acima.
A medida é positiva e soma-se à Lei das Estatais (2016), sancionada pelo presidente Temer, responsável pelas novas regras de nomeação dos diretores e conselheiros das empresas estatais,(por mais que deixe o espaço aberto para cargos menores, vide o filho de Mourão e o amigo do presidente). Além da Lei de Acesso à Informação (2011), promulgada ainda no governo de Dilma, que foi também fortalecida pelo decreto de Bolsonaro, na medida em que este último trouxe exigências para que os órgãos do governo mantenham listas atualizadas e acessíveis com o currículo dos ocupantes dos cargos comissionados (ou funções de confiança).
Resta saber como a medida será recepcionada pelos demais membros do Parlamento. A resistência dos políticos a medidas deste porte é notória. Recentemente, os deputados tentaram incluir emendas em um projeto de lei para alterar a rigidez da Lei das Estatais, mas o Senado barrou. Agora, o que está em jogo é a reforma da Previdência, já que o decreto aparece justamente no momento em que o presidente acenou que delegaria nomeações de segundo e terceiro escalão para os partidos, em troca do apoio para a Reforma, mas o decreto dificulta o processo de nomeação… e pode dificultar o andamento da reforma. Principalmente se os deputados entenderem a medida como um gesto de desconfiança do presidente, uma vez que promulgou o decreto no mesmo momento em que concedeu poder de nomeação para aqueles.