Morismo sem Lava Jato

Rodrigo de Abreu Pinto
4 min readOct 8, 2019

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Desde que aparelhou as instituições para não ter que explicar os cheques de Fabrício Queiroz a primeira-dama, Bolsonaro precisou fazer o mesmo com a Lava Jato. Caso Contrário, o combate a corrupção continuaria vivo demais para esquecerem que Flávio é seu filho.

Por isso, o presidente não viu problema em escolher um procurador-geral que criticou os “pequenos desvios” e o “personalismo” da força tarefa. Antes disso, Bolsonaro elogiou a decisão do STF em paralisar as investigações com dados do COAF, o que incorreu diretamente nos casos da Lava Jato. Olhando assim, nem precisa dizer que ele pouco fez contra a Lei de Abuso de Autoridade, recentemente aprovada, para ter certeza que os lava-jatistas erraram feio em apostar no presidente.

No entanto, tem alguém nessa história que não quis sair perdendo: Sérgio Moro. O ex-juiz achou que estaria confortável no Ministério da Justiça enquanto esperava a vaga no Supremo. Como revelaram as mensagens do The Intercept, vários procuradores da Lava Jato criticaram a decisão de Moro, descobrindo tarde demais que a coisa do “personalismo” era realmente séria.

Só quem realmente levou isso à sério foi Bolsonaro. Ele pensou: antes perto do que longe, assim fica mais fácil de cortar as asas. O presidente prometeu o Coaf no Ministério da Justiça, e depois fez acordo com o Centrão para transferi-lo ao Banco Central. Aparelhou a Polícia Federal e lançou os agentes contra Moro. Chamou o ex-juiz de “ingênuo” e não mexeu um dedo pelo pacote anti-crime.

Mesmo assim, a pesquisa do Datafolha mês passado revelou que a aprovação de Moro se manteve alta suficiente (54%) para ficar bem acima de Paulo Guedes (34%) ou mesmo do próprio presidente (29%).

Se é assim, por que Moro não reagiu?

A “Moro de Saias” (senadora Selma Arruda) foi mais rápida e abandonou o governo e o PSL. O senador Major Olímpio (PSL-SP) passou a cogitar uma chapa com Sérgio Moro e Janaína Paschoal em 2022. Dentro do Senado, o crescimento do Podemos — de 5 para 11 senadores, tornando-se segunda maior bancada — também era sinal da força do ex-juiz, já que esse seria o potencial partido de Moro na próxima eleição

Não demorou e o próprio Bolsonaro admitiu durante uma live no Facebook: “Tem uns 20% pelo menos no Facebook falando que acabou a última esperança deles, que não vota mais em ninguém ou que vai votar no Moro em 2022.”

O presidente então notava, como viu bem Aline Passos, que a heroicização de Moro e a vitimização dos lavajateiros estava inspirando algo como um bolsonarismo sem Bolsonaro.

Só faltava, no entanto, combinar com o próprio Moro, quem parece ter cálculos políticos próprios e não largar mão da vaga no STF.

Para tanto, o ministro parece considerar o exemplo da operação Mãos Limpas, côngenere italiana da Lava Jato: o juiz Antonio Di Pietro também abandonou a toga e entrou na política, sem alcançar grandes voos.

No mais, a despeito da pesquisa de opinião, o apoio à Lava Jato nas ruas é incerto. Basta olhar as recentes manifestações da direita: enquanto grupos ligados a Moro (MBL e Vem Para Rua) são expulsos por militantes bolsonaristas, é a defesa do governo, e não o combate a corrupção, que pauta as mobilizações.

Por isso, Moro aquiesceu rápido aos sinais de reaproximação do presidente, a começar pelo elogio (“juiz que é símbolo do meu país”) durante a sua fala na ONU. Na última semana, Bolsonaro ainda criticou o uso das mensagens do The Intercept como prova. E, mais importante, o governo passou a se esforçar ativamente pelo pacote anti-crime de Moro, pressionando o Congresso e lançando uma vigorosa campanha publicitária sobre o tema.

Moro, com efeito, fez questão de dizer à Veja que “meu candidato em 2022 é o presidente Bolsonaro”. O pior veio em seguida: diante da revelação de que o esquema de laranjas do PSL financiou a campanha presidencial, Moro se apressou em defender o presidente e desacreditar da investigação realizada pela Polícia Federal, órgão chefiado por ninguém menos que ele mesmo.

Mais do que ministro da Justiça, é como advogado de defesa do governo que Moro atua para ganhar a vaga no Supremos pelos honorários.

Já o cliente, por sua vez, tem sempre razão: melhor do que sacrificar Moro e correr o risco de cair do cavalo (hipótese do bolsonarismo sem Bolsonaro), é puxá-lo para junto de si. Nesse caso, é o morismo sem Lava Jato.

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Rodrigo de Abreu Pinto

Advogado (PUC-Rio) e Filósofo (FFLCH-USP). Diretor de Inovação da Câmara de Comércio Brasil-Portugal.