O ano de Rodrigo Maia
Não faz muito tempo que ninguém tinha o nome de Rodrigo Maia na ponta da língua, exceto se lembrasse que era o filho do ex-prefeito do Rio César Maia — e mesmo assim, só se fosse carioca.
Essa história começou a mudar quando foi eleito presidente da Câmara em 2016. Convidado ao programa Roda Viva pela primeira vez, Maia se descreveu como um deputado do “médio clero”, não mais que isso
“Ele não é um político de clientela, como o baixo clero, mas não é um político que, no parlamento, tenha uma liderança ideológica no amplo sentido do termo”, explicou o pai.
De lá para cá, o deputado carioca chorou 10 vezes em público, aprendeu a falar inglês, participou novamente do Roda Viva e lançou um podcast no Spotify. Rodrigo Maia se tornou uma liderança, resta saber se ascenderá ainda mais.
Para encurtar a história, a ascensão de Maia pode ser resumida em três momentos.
1- Logo após o afastamento de Dilma Rousseff e Eduardo Cunha, Maia foi candidato a presidência da Câmara. O sentimento anti-Cunha, que apoiava o candidato Rogério Rosso (PSD), galvanizou sua eleição, onde contou com o apoio até do PT (para quem não lembra, Maia foi um dos únicos deputados da oposição que não votou as pautas bombas contra o governo Dilma, momento em que conquistou a confiança de parte da esquerda).
2- Durante o governo Temer, o presidente se ajoelhou perante o Congresso para que as denúncias contra ele não seguissem. O Legislativo ganhou uma força inédita e Maia consolidou sua liderança num duplo movimento: não deixou que as denúncias contra Temer corressem, ao mesmo tempo que garantiu a liberação de fartas emendas aos parlamentares.
Como prova do seu sucesso, a expressiva votação que obteve no início do ano, quando foi reeleito presidente da Câmara no 1º turno com 334 votos (77 a mais que o necessário).
3- Desta vez no governo Bolsonaro, o presidente rejeitou o presidencialismo de coalizão que grudava os presidentes do Executivo e da Câmara — modelo em que esse último pilotava a coalizão no Congresso, enquanto a liderança cabia mesmo ao presidente.
Mais preocupado com a guerra cultural e o aparelhamento dos órgãos de controle, o presidencialismo de Bolsonaro reforçou o papel do Congresso e Rodrigo Maia, por sua vez, despontou como uma espécie de primeiro-ministro informal.
Foi o deputado carioca que exigiu explicações do ministro do meio-ambiente durante a crise das manchas de óleo no Nordeste. Foi também ele que lançou o pacote de projetos para área social mais ousado até então. E que primeiro visitou a Argentina para cumprimentar o presidente eleito Alberto Fernandez
Pela esquerda, Rodrigo Maia foi elogiado por frear o projeto regressivo de Bolsonaro. Já a direita, sabe que alguns projetos só avançaram por causa de Maia e a despeito das declarações do presidente. Contra o presidente da Câmara, os bolsonaristas mais radicais — isto é, quem não tem pudor em pedir intervenção militar e atacar quando Maia desaprovou os comentários de Eduardo Bolsonaro sobre o AI-5..
Por mais que os críticos tenham razões em ressalvar as posições liberais de Rodrigo Maia, é importante não perder de vista duas coisas. Primeiro, que a despeito das suas convicções, Maia fez questão de garantir o jogo democrático, inclusive em questões prementes como a reforma da Previdência, já que se negou a ressuscitar a reforma de Temer (que já estava aprovada na CCJ) a pedido da esquerda que queria debater melhor o tema.
Em segundo lugar, que ninguém esqueça que o liberalismo de Maia é bem diferente do projeto suicida de Paulo Guedes, tanto que o deputado capitaneou a remodelação da reforma da Previdência e da MP da Liberdade Econômica, ambas enviadas pelo governo, além de barrar projetos como o garimpo em terras indígenas e a flexibilização do porte de armas.
Como nem só de “ideias” vivem os deputados, Maia também precisou arrumar um jeito de acalmar os parlamentares. Afinal, diferente das legislaturas anteriores em que o presidencialismo de coalizão garantia ministérios e cargos aos partidos da base, desta vez os deputados tiveram menos acesso aos recursos políticos e financeiros controlados pelo presidente.
Se não assistimos nenhuma crise de paralisia decisória ou “greve” dos deputados contra o governo, foi porque Maia lhes garantiu a execução das emendas durante o ano inteiro — inclusive para os parlamentares que não votaram com o governo. E mais do que isso: Maia articulou a aprovação de três novos tipos de emendas impositivas a partir do próximo ano. Além das emendas parlamentares, serão obrigatórias as emendas de bancada, das comissões permanentes das casas e do relator-geral da proposta orçamentária. Em outras palavras: a partir de 2020, os deputados gozarão de autonomia e independência inéditas na história da Nova República. Só não se sabe ainda se isso é bom para o país.
O mandato de Maia na presidência da Câmara termina ao final do próximo ano. Alguns deputados até ensaiaram um movimento para reverter o regulamento da Câmara, de modo a permitir que ele seja reeleito outra vez, mas o próprio Rodrigo Maia foi contra. Pois ele sabe, afinal, que uma jogada dessa pode manchar um mandato quase perfeito, do qual depende o seu futuro político.
A título de comparação, basta olhar os apuros que Alcolumbre está passando no Senado para ter certeza do sucesso de Maia na Câmara. Para ser mais exato: se considerarmos o chamado “Centrão” — DEM, Solidariedade, PL, Avante e PP, além do MDB, Republicanos e PSD — são 229 parlamentares (45% da Casa) que estão fechados com o presidente da Câmara.
Ao sair da presidência da Câmara, Maia ainda terá algum tempo para articular sua posição para as eleições de 2022. Até então, é o sonho de consumo de Ciro, Huck e Dória. Independente de quem apoie, uma coisa é certa: para quem era “médio-clero” até outro dia, o papel de fiel da balança na disputa presidencial não é pouca coisa.
Fora o presidente, ninguém ascendeu tanto nos últimos anos como Rodrigo Maia.