O futuro do BNDES (III)

Rodrigo de Abreu Pinto
6 min readJul 24, 2019

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No momento em que a Nova Matriz Econômica de Dilma degringolou e, consequentemente, o país entrou em recessão e a dívida pública assumiu trajetória crescente, o BNDES se tornou um dos alvos preferencias dos críticos ao governo. A presidente sofre o impeachment e coube a Michel Temer extinguir a TJLP do BNDES, o que explica boa parte da perda de protagonismo do BNDES. Além da taxa sem os juros subsidiados, o próprio quadro recessivo impeliu que as empresas demandassem menos crédito. E a má reputação que coube ao banco estatal, envolto em supostas caixa-pretas, também afastou possíveis tomadores, muito embora a CPI do BNDES não tenha identificado nenhuma irregularidade até então.

Volume das operações do BNDES. (Gráfico do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial).

Diante do inevitável retraimento do BNDES, as demais fontes de financiamento privado estariam aptas a absorver a demanda vazada? Vejamos rapidamente cada um dos setores.

1- O mercado de crédito estrangeiro, aproveitando-se da política de taxa de juros negativa dos respectivos Bancos Centrais, mostram-se dispostos a ofertarem somas consideráveis ao mercado brasileiro. Todavia, são as empresas nacionais que não tem visto com bons a moeda estrangeira em seus balanços, já que os efeitos da dolarização da economia argentina estão muito cristalinos na crise que o país vizinho enfrenta.

2- Os bancos domésticos, mesmo sem grandes alterações na cunha bancária (compulsórios, tributação e regulação) que reduziria os custos da intermediação financeira, tornaram-se mais competitivos. Se não bastasse o fim da TJLP, a Selic e a inflação alcançaram níveis historicamente baixos e estáveis, o que diminui os riscos e consequentemente as taxas. Deve-se lembrar que a crise atual é bem diferente daquele da década de 90, quando os banco retraíram em consequência das intempéries cambial, bancária e fiscal que acossavam a economia brasileira, o que justificou que os recursos do BNDES saltassem de 37% do volume de crédito, ao final do governo FHC, para o auge de 56% no governo Dilma. Desta vez, ainda que os bancos domésticos disponibilizem linhas de créditos, são os tomadores que estão desanimados pela reduzida perspectiva de lucro.

3- O mercado de capitais brasileiro passou por melhorias estruturais na última década, tornando-se mais equipado e regulado para servir de fonte financiamento estável e alternativa aos bancos. A redução da taxa básica, ao tornar os títulos públicos menos rentáveis, aproximou ainda mais os investidores, o que facilita que empréstimos mais vultosos sejam disponibilizados. Em 2015, os títulos emitidos no mercado de capitais representavam 15% da dívida das empresas brasileiras. Agora, já são 25,3% baseados em debêntures ou outros títulos de renda fixa.

Como vemos acima, é salutar que o setor privado esteja em condições de absorver parte da demanda que era servida pelo BNDES. Essa constatação reforça ainda mais o imperativo de reconfiguração do banco público. Talvez por isso o ministro Paulo Guedes seja tão enfático ao julgar que o BNDES deva se retrair e completar assim a desestatização do crédito do país. Ou, melhor dizendo, que o BNDES se limite a ações pontuais, como auxiliar o programa de privatizações, repetindo o que fez nos anos 90 durante o governo FHC. Sem entrar no mérito das privatizações, é ótimo que o banco participe, uma vez que possui bons técnicos para operacionalizar as privatizações. No entanto, é preciso ter em mente que a liquidação de ativos, assim como serviços de consultoria ou as participações acionárias do BNDES-Par, não devem ser as funções prioritárias do banco, pois cabe-lhe outro importante papel no planejamento e investimento que faça valer o S de Social que tem em seu nome.

Por isso, devemos entender o BNDES como complementar ao mercado de crédito privado, seja fornecendo garantias aos provedores de crédito para investimentos, seja atuando nas áreas em que os bancos comerciais e o mercado de debêntures não tenham interesse ou disposição para investir nos momentos de incerteza. Como disse Gustavo Loyola em coluna no Valor, “no mundo real existem falhas de mercado e externalidades que continuarão a justificar a existência de uma instituição como o BNDES, ainda que uma “revolução liberal” atinja a economia brasileira na próxima década”. Mesmo que a evolução do mercado de crédito esteja paulatinamente alongando os prazos, ainda levará algum tempo para que o BNDES perca sua posição de principal fornecedor de crédito de longo prazo. Atualmente, o BNDES ainda detém 64% dos empréstimos a infraestrutura e 49% dos empréstimos com prazo acima de cinco anos.

Para além disso, como frisou Nilson Teixeira também no Valor, “a transformação do BNDES passa pela conclusão de que não há mais espaço para o papel de simples provedor de empréstimos subsidiados”. Em outras palavras: assim como o BNDES foi fundamental para que o país realizasse a substituição de importações e desenvolvesse projetos de energia, siderurgia e química, o banco estatal será imprescindível para os desafios futuros que vão desde estímulos a modernização da educação até a reestruturação financeira de estados e municípios. No atual contexto, diante da perestroika desejada por Paulo Guedes, o BNDES terá papel central em integrar o país às cadeias globais, agindo para que conservemos nossas vantagens comparativas (através de estímulos a programas de inovação do Embrapa por exemplo) e, não menos importante, para que internalizemos as tecnologias estrangeiras para o desenvolvimento de novas fontes de energia e programas de infraestrutura que respondam as necessidades sociais do país.

Uma vez assinalada a importância de atentar contra o desmonte do BNDES, termino com duas sugestões de ordem prática e imediata para que o banco retome o papel que lhe é devido:

1- Maior prazo para os repasses ao Tesouro

Não é possível seguir tratando o BNDES como o filho desobediente que merece ser castigo por causa dos erros recentes. É assim que o governo age ao cobrar, de maneira tão apressada, a devolução dos recursos que o Tesouro lhe forneceu nas operações de funding. Bolsonaro e Paulo Guedes querem R$ 126 bilhões agora e a mesma quantia ano que vem, muito embora o prazo dos empréstimos sejam bem maiores. Em razão do acosso, é provável que o BNDES-Par não possa se desfazer da carteira de ações de maneira premeditada, o que gera perda no valor das mesmas, além de adiar os desembolsos contra o hiato negativo da indústria de transformação.

2- Modificações na TLP

A passagem da da TJLP para a TLP foi brusca como quase todas as principais medidas do governo Temer (a começar pelo impeachment, passando pelo Teto de Gastos, a reforma trabalhista, a abertura do pré-sal ao capital estrangeiro). Enquanto a antiga TJLP possuía taxas menores que a Selic, a nova TLP está vinculada a rentabilidade da NTN-B, título público mais conhecido como Tesouro IPCA+. A rentabilidade é definida da seguinte maneira: a inflação corrente (IPCA) mais uma sobretaxa (nesse caso, a taxa real de juros) definida pelo leilão do mercado.

Comparação entre as taxas da antiga TJLP, NTN-B e Selic. (Gráfico de Ernani Teixeira Torres Filho).

As consequências negativas da nova TLP são duas. Primeiro, uma vez que está vinculada a inflação e ao humor do mercado, nos momentos em que a economia apertar e o custo de crédito subir, a TLP também subirá de modo pró-cíclico. Isso contraria o próprio DNA do BNDES cujas fontes de recursos em poupanças compulsórias (FAT, FGTS, fundos constitucionais) são estáveis e permanentes, o que permite atuações contra-cíclicas. Em segundo lugar, o alto custo da TLP torna os empréstimos pouco atrativos, o que prejudica o BNDES como mecanismo de estímulo e direcionamento de crédito, já que não possui maiores vantagens sobre as fontes de crédito privadas.

Seguindo a sugestão de Ernani Teixeira Torres Filho, uma boa opção para solucionar ambas questões seria uma suave redução da taxa real que é cobrada sobre a inflação. Assim, a TLP e a NTN-B possuiriam quase a mesma taxa. Somado a isso, Ernani sugere ainda que o BNDES conserve meios de reduzir a TLP em momentos de incerteza (quando a taxa se tornaria ainda mais atrativa) para que assim possa melhor atuar em momentos delicados.

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Rodrigo de Abreu Pinto
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Written by Rodrigo de Abreu Pinto

Advogado (PUC-Rio) e Filósofo (FFLCH-USP). Diretor de Inovação da Câmara de Comércio Brasil-Portugal.

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