O impasse de Guedes: ideias requentadas e Teto de Gastos
A imprensa anunciou. O mercado aqueceu as turbinas. A Bovespa fechou em alta na véspera do apelidado Big Bang Day. Só faltou, no entanto, o governo levar o bolo e as velas na tarde de ontem. Em lugar das prometidas medidas para a retomada econômica na saída da pandemia, o governo anunciou apenas o novo Minha Casa Minha Vida e sem a presença do ministro da Economia. Onde está, afinal, Paulo Guedes?
Na semana anterior, o pedido de demissão de dois secretários da equipe econômica — Salim Mattar (desestatização) e Paulo Uebel (desburocratização) — foi rapidamente lido como um golpe ao ministro Paulo Guedes. Não é para menos: Salim Mattar não perdeu a chance de cair atirando contra os entraves domésticos ao projeto liberal. Dali em diante, parecia que Guedes se tornaria como Onyx Lorenzoni — uma espécie de ex-ministro em atividade — ao mesmo tempo que outros nomes conquistavam espaço decisório nos rumos econômicos do governo. Basta ver que Rogério Marinho, ministro do Desenvolvimento Regional, foi quem consultou o TCU quanto a legalidade das manobras “fura-Teto” que viabilizariam recursos para os investimentos em infraestruturas da sua pasta.
Guedes, desta vez, foi sagaz e fez do suco uma limonada. Logo após a saída dos secretários, pôs a boca no trombone e atou a “debandada” da equipe econômica às recentes investidas dos “conselheiros do presidente que estão aconselhando a pular a cerca e furar teto”. Se continuarem assim, completou Guedes, “vão levar o presidente para uma zona sombria, uma zona de impeachment, de irresponsabilidade fiscal”. O mercado entendeu a jogada e usou da retórica do “terrorismo fiscal” para endossar Guedes e alarmar a opinião pública quanto aos riscos do fim do mundo (“que, na Faria Lima, significa Bovespa em 80 mil pontos e dólar a R$ 6,5”, como lembrou Nelson Barbosa). Ao passo que o presidente Bolsonaro, por sua vez, viu-se forçado a comparecer numa declaração no Palácio da Alvorada onde Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre beijavam publicamente a cruz do Teto de Gastos.
Semana passada, diante da proeminência dos ministros “fura-teto”, o colunista Celso Rocha de Barros chegou a indagar se “podemos apostar, nesse cenário, que o populismo plutocrático de Bolsonaro/Guedes vai dar lugar a um populismo “puro-sangue” de conservadorismo moral e intervencionismo econômico?”. A resposta, ao menos por ora, é não, ainda que isso possa mudar nos próximas dias. Digo isso porque Bolsonaro recuou e reforçou a confiança em Guedes — e consequentemente no Teto de Gastos — enquanto o ministro divulgou que o programa de retomada seria apresentado no tal Big Bang Day ontem… mas não foi.
De qualquer modo, os jornais Folha, Estadão e Valor Econômico anteciparam aspectos do programa que seria anunciado e cujo desafio é preservar o Teto de Gastos ao mesmo tempo que dá um jeito de estimular os investimentos e a geração de emprego.
O Pró-Brasil de Rogério Marinho, por sua vez, delegava o aumento dos gastos para obras de infraestrutura e mesmo que o investimento inicial nem fosse lá essas coisas — R$ 35 bilhões — já era o bastante para forçar manobras que driblassem o Teto, já que esse está no limite e melhor seria alterá-lo. O programa de Guedes, ao contrário, não arrebenta o Teto porque não induz o aumento das despesas, e sim a recomposição das receitas: o governo está prestes a lançar um programa de desoneração da folha salarial que seria compensado pela criação de uma nova CPMF — essa, sim, a verdadeira reforma tributária do governo Bolsonaro.
Embora tenha apoiado Guedes na luta pela manutenção do Teto, Rodrigo Maia não gostou das novidades — e se há algo que ficou claro nas recentes votações no Congresso, é que Maia ainda é quem manda a despeito da recente aproximação de Bolsonaro e o Centrão. O anúncio das medidas de Guedes, com efeito, foi adiado justamente para que o governo se reúna previamente com Maia e outros líderes do Congresso de modo a sentir o clima antes de torná-las públicas.
A conversa, no entanto, não deve prosperar porque Maia, ainda que simpático às desonerações, já afirmou que as mesmas só são bem-vindas se o espaço fiscal for aberto pela redução dos gastos do Estado, e não pela criação de novos impostos — ainda mais sendo uma CPMF, a respeito da qual Maia já taxou que “vai travar nosso crescimento”. O problema é que a equipe econômica já está tentando fazer milagre para cortar o máximo de gastos possível — seja com o acionamento dos gatilhos fiscais, seja com a extinção de programas como o abono salarial e a redução dos investimentos públicos a perto de zero — para garantir a criação do novo Bolsa Família. Dito de outro modo: não há mais o que arrumar do lado das despesas, e por isso a alternativa de Guedes em estimular a economia pela recomposição das receitas via desonerações e CPMF — a não ser, claro, que o governo optasse pela tão necessária revisão do Teto. Guedes está sem saída.
É provável que passemos os próximos dias numa névoa de indecisão enquanto o presidente Bolsonaro se vê diante do tradeoff entre a mudança no Teto de Gastos ou a criação do novo imposto (CPMF) que contraria não apenas suas promessas de campanha, como o mercado financeiro e seu principal representante parlamentar, Rodrigo Maia. A depender do que saia daí, o preço da ortodoxia de Guedes, incapaz de promover o debate sobre o Teto sem espernear, pode ser a descoberta por Bolsonaro de que pode revisar o limite fiscal sem o país vir abaixo e, como aposta Pablo Ortellado, “que não precisa de um ultraliberal na pasta da economia — como Lula demonstrou, é perfeitamente possível combinar uma política econômica razoavelmente responsável, do ponto de vista fiscal, com políticas sociais de impacto”. Se for o caso, Guedes pode se tornar como Moro e Mandetta ao sair do governo sem deixar saudades.