O mercado quer ser feliz com Lula

Rodrigo de Abreu Pinto
6 min readMar 7, 2023

O presidente Lula está certo em temer pelo baixo crescimento da economia brasileira. Depende disso para que o Brasil ingresse em um novo ciclo de geração de empregos. O crescimento mobiliza e os empresários tomam riscos, assinam carteiras e compram novos equipamentos.

A maioria da população brasileira votou nele e espera o mesmo. O voto foi, em boa medida, inspirado pela memória dos oitos anos de progresso em sua primeira vez na presidência. Muitos eleitores entendem o crescimento econômico como uma promessa de campanha.

Só faltava combinar com os russos. Tanto os russos mesmo, já que a guerra na Ucrânia cria pressões inflacionárias a nível global. Quanto os demais fatores que fogem ao nosso controle, como o aperto das condições financeiras nas principais economias. Nesse cenário de incertezas, uma rara certeza era de que o Banco Central teria dificuldades em reduzir a Selic.

E era consenso que a Selic estacionada em 13,75% abafaria a economia brasileira. Basta ver as previsões feitas no Boletim Focus desde o ano passado. Ou, na prática, o recém-divulgado resultado do PIB no 4º trimestre que traduziu a pressão dos juros sobre o crescimento (juros sobem, empresários deixam de investir e a economia desacelera).

Capa da revista Piauí, edição nº 198, março de 2023.

Em lugar de ajustar o discurso à realidade, o presidente Lula elegeu o “mercado” e o Banco Central como bodes expiatórios de eventual fracasso. Tudo se passa como se os juros estivessem altos para agradar os “rentistas” e da “Faria Lima”.

Só que a elevada taxa de juros tem explicação razoável, vide as razões detalhadas e explicadas didaticamente nas atas do Copom.

E, pior, o mercado financeiro não gosta de taxa de juros elevada. Como dizem os operadores, “o mercado gosta de ser feliz”.

Fato é que gestores de fundos e escritórios, responsáveis pelo dinheiro dos seus clientes, também são punidos pelos juros nas estrelas. Os ativos de suas carteiras sofrem perdas já que são calculados com base nas receitas futuras esperadas. Então quanto mais alta a taxa de juros, menor o valor presente. Quem explicou isso foi o braço direito de Haddad no Ministério da Fazenda, Gabriel Galípolo, em entrevista recente para o Estadão.

Se essas opiniões de bom senso não têm tido espaço, é porque explicam mal (isto é, com causas e não culpados) que o governo enfrenta impasses estruturais neste primeiro momento em linha com a desaceleração do crescimento global.

Mas posições econômicas não devem valer pela habilidade de criar narrativas, e sim pela capacidade de organizar a economia e oferecer respostas aos problemas que se avizinham. A sobrevalorização das narrativas tem limitado o poder de intervenção política de Lula e, ao mesmo tempo, ele experimenta isso como prova da própria superioridade.

Precisa ficar claro que a fidelidade estrita à certa narrativa está impedindo o presidente avalie pragmaticamente os fatos econômicos. O escândalo das Lojas Americanas é exemplo disso. Quando indagado a respeito, Lula afirmou:

Qualquer palavra que fale na área social, ‘vou aumentar salário-mínimo em 10 centavos’, ‘corrigir imposto de renda’, ‘melhorar os pobres’, o mercado fica nervoso, irritado. (…)

Agora, um deles joga fora R$ 40 bilhões de uma empresa que parecia ser a empresa mais saudável do planeta, o mercado não fala nada, fica em silêncio”.

Por um lado, não é certo que o mercado fica irritado por qualquer coisa. Para ficar em um só exemplo: o mercado topou a ideia de um déficit público elevado este ano e a substituição da regra do teto de gastos. Os preços de ativos reagiram positivamente à vitória de Lula e só caíram a partir dos ataques ao Banco Central.

Por outro, o mercado reagiu ao escândalo das Americanas. As ações da varejista despencaram. A bolsa excluiu os papéis da empresa de todos os seus índices. Os bancos credores ingressaram com ações na Justiça. Gestores abandonaram fundos que investem em crédito privado. Investidores revisaram suas carteiras e suspenderam novas aplicações.

Os juros altos e a crise das Americanas, em conjunto, aumentam a aversão ao risco de emprestar e investir em papéis de empresas, engendrando o que tem sido chamado de uma crise de crédito. Efeito disso é que qualquer empresa que tentar ir ao mercado, vai encontrar custos de financiamento extremamente altos.

O receio é que o apego a mantras — como de que o mercado de capitais é a quintessência do neoliberalismo e do “capitalismo financeirizado” — contrarie a aptidão do governo de intervir eficazmente no curso desses acontecimentos.

Trocando em miúdos, receia-se que o governo eleja, como remédio, uma atuação centrada no Estado e que exclua o mercado como parte da solução da crise de crédito iminente.

É positivo que o governo esteja discutindo políticas que facilitem créditos de emergência para segmentos da economia prestes a ruir pela restrição de crédito, a exemplo do Pronampe voltado às micro e pequenas empresas. Mas não deve ir muito além disso a ponto de julgar que a solução depende apenas ou sobretudo de si.

Não é para se valer da crise de crédito para expandir o crédito público em detrimento do crédito privado. Sugestões como alavancar o BNDES, mudar a TLP, conferir subsídios para setores específicos ou alocar crédito direcionado a taxas de juros inferiores às de mercado, tal como feito em crises anteriores, devem ser cortadas pela raiz.

A dependência de recursos advindos do Estado só se justificaria pela ausência de mecanismos de mercado aptos a prover, de maneira eficiente, o financiamento da atividade produtiva.

O mercado de capitais brasileiro, por sua vez, tem dado provas contínuas, em especial desde a saída de cena do BNDES, de sua vocação em canalizar capital em favor das empresas brasileiras. Este gráfico com dados da Anbima é ilustrativo disso:

Dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).

Na prática, os brasileiros estão substituindo a poupança nos bancos pelos investimentos nas corretoras. As empresas estão elegendo, cada vez mais, ações, debêntures e outros títulos como fontes de captação de recursos e deixando para trás a dependência ao sistema bancário (que, na realidade brasileira, é marcado pela grande concentração, oferta de crédito de curto prazo e spreads elevados). E, de quebra, o regulador do mercado de capitais, a CVM, tem feito o dever de casa por meio de reformas regulatórias que reduzem custos e aumentam a eficiência do mercado.

Em 2022, mesmo em cenário de juros crescentes, as emissões de renda fixa somaram R$ 457 bilhões, um recorde histórico, e ratificaram a potência do mercado brasileiro com diversos títulos como debêntures, CRIs, CRAs também superando as respectivas marcas históricas.

Dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).

A importância do governo para o mercado de capitais se deve tanto porque o governo cria a ordem legal em que o mercado de capitais se desenvolve com segurança e eficiência, quanto porque é o mais apto a reparar questões amplas, de caráter “macro”, que interferem diretamente no funcionamento do mercado e cujas soluções envolvem políticas públicas mais amplas.

Diferente do que pregam alguns dos que aconselham o presidente, o controle do crédito publico não comprometerá a realização de novos e necessários investimentos pelas empresas. Pelo contrário. Sem compromisso com regras fiscais e medidas para limitar o crescimento das despesas, o Banco Central estará em apuros para cortar os juros por um período demasiadamente longo, o que tende a atrofiar o mercado de capitais visto que os juros altos inibem o lançamento de títulos pelos emissores e, como outro lado da mesma moeda, afunila a demanda dos investidores em títulos públicos.

O presidente Lula agiu bem quando superou divergências políticas e atuou de mão dadas com o governo Tarcísio contra a catástrofe das chuvas no litoral paulista. Idem quando se uniu aos demais governadores na ocasião dos ataques golpistas em Brasília. Agora pode fazer o mesmo com o “mercado” diante da crise de crédito que ameaça o nível de emprego e a estabilidade econômica.

A afirmação abstrata de posições — como os discursos contra a pobreza — não deve estar dissociada da capacidade de aplicar essas posições no mundo. O governo Lula e o mercado, juntos, farão a economia girar a serviço dos brasileiros.

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Rodrigo de Abreu Pinto

Nascido em Recife, é formado em filosofia pela FFLCH-USP e em direito pela PUC-Rio.