MST, Lula e mercado financeiro: a democratização do capital

Rodrigo de Abreu Pinto
4 min readJul 21, 2021

Sete cooperativas ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) estão acessando o mercado de capitais para o financiamento das suas atividades de produção e comercialização de produtos agropecuários.

Se, ao menos à primeira vista, a operação soa inusitada, não deixa de ser a prova de que o MST descobriu o mercado de capitais como meio eficiente de formação de capital para a produção de alimentos saudáveis, orgânicos e cultivados pelas próprias famílias assentadas.

Empossamento (2003) de Mauro Restiffe

Os anos recentes do MST foram marcados pela redução de novos acampamentos em consequência a criminalização e ao aumento da violência, estatal mas não apenas, contra os trabalhadores rurais sem-terra. O mesmo não ocorreu, no entanto, em relação a produção agropecuária crescente nas terras já assentadas pelo MST, onde estão 160 cooperativas e mais de 1.000 associações das quais fazem parte 450.000 famílias em 24 Estados.

O MST se tornou o maior produtor de arroz orgânico da América Latina, além de exportar leite, milho, soja, açúcar mascavo e suco de uva para Europa e Ásia. Em feiras e mercados municipais ao redor do Brasil, encontrarmos produtos das inúmeras cooperativas nas prateleiras.

Na esteira de tamanho crescimento, adveio o imperativo de acessar o mercado de capitais para arrecadar os recursos necessários a continuidade dos projetos.

Assim como o MST provou a sociedade brasileira que as ocupações não caracterizam crime contra o patrimônio, mas são a expressão de direito coletivo frente a inércia do Poder Público, convertendo-as em instrumento legítimo para efetivar a função social da propriedade prescrita pela Constituição de 88. Agora terá a chance de provar que o mercado de capitais é um meio eficaz de democratização do capital e de financiamento da atividade produtiva, sobretudo para a parcela da esquerda que ainda interpreta tudo que tem a ver com a circulação do dinheiro como adesão ao neoliberalismo e ao capitalismo financeirizado.

Empossamento (2003) de Mauro Restiffe

No total, as cooperativas do MST arrecadarão R$ 17,5 milhões através de Certificado de Recebíveis do Agronegócios (CRAs) com prazo de 5 anos. Os CRAs, de modo resumido, são títulos de dívida, emitidos por produtores rurais e vendidos no mercado de capitais, por meio dos quais as cooperativas estão prestes a se financiar a custos menores do que pelo sistema de crédito tradicional, fortemente marcado pela concentração bancária, oferta de crédito de curto prazo e taxas de juros elevadas.

Os investidores que adquirirem os títulos serão remunerados em 5,5% ao ano, percentual bem acima da poupança (atualmente em torno de 3%), que é via de regra a aplicação mais popular no Brasil. Sem vista grossa ao fato de que a maioria dos brasileiros não podem investir porque não sobra dinheiro para se preocupar com outra coisa se não com a economia doméstica, há quem deixe dinheiro boiando na poupança, e essas pessoas poderão aplicá-lo em investimentos mais rentáveis e com vocação social e produtiva, como o financiamento das cooperativas do MST. Como ensina Nath Finanças, não é preciso ser rico para investir, nem é complicado fazê-lo, e educação financeira é também uma forma de liberdade.

Empossamento (2003) de Mauro Restiffe

Se for bem-sucedida, a iniciativa do MST induzirá não apenas ao aumento de oportunidades e produtos financeiros à disposição de investidores, mas a reconstrução da mentalidade da esquerda, sobretudo quanto a correlação entre o desenvolvimento econômico do país e a capacidade do seu mercado de capitais em financiar a atividade de produção de bens e serviços.

Às vésperas da eleição de 2022, justo agora que o mercado de capitas se torna uma alternativa mais popular entre as pequenas empresas e os pequenos investidores, caberá a esquerda superar a sua crônica desatenção ao tema e debatê-lo visando a construção do programa eleitoral de Lula em 2022.

Para isso, não será preciso uma nova Carta ao Povo Brasileiro, pois os oito anos de mandato do petista são referência suficiente. Embora uma herança pouco comentada pela esquerda, o governo Lula foi responsável pela reforma do ambiente institucional e legal que contribuiu para o crescimento do mercado de capitais naqueles anos, em especial pela atualização dos marcos regulatórios de fundos de investimento (Instrução CVM 409/2004), ofertas públicas (ICVM 400/2004) e registro dos emissores no órgão regulador (Instrução CVM 480/2009).

Mais uma vez, será o caso de modernizar as estruturas do mercado de capitais para torná-lo uma alternativa viável ao financiamento das empresas num país em que os bancos historicamente se mostraram incapazes de reduzir o custo de crédito e financiar a atividade produtiva.

Na ausência de mecanismos aptos a prover, de maneira eficiente, o financiamento de projetos como as cooperativas do MST, essas decairão ou se tornarão exclusivamente dependentes de recursos advindos do Estado, sem a participação dos investidores na escolha das empresas mais competitivas e sustentáveis.

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Rodrigo de Abreu Pinto

Nascido em Recife, é formado em filosofia pela FFLCH-USP e em direito pela PUC-Rio.