O perigoso do desmonte do BNDES (I)
Entre os anos oitenta e noventa, dois fatores determinaram a penetração das ideias liberais no Brasil. Por um lado, a explosão da dívida externa e o descontrole inflacionário consolidaram o fracasso do modelo intervencionista dos militares. Por outro, a importação do Consenso de Washington por hábeis economistas brasileiros, boa parte formado em universidades americanas, responsáveis por ambientar as teorias que subordinavam o desenvolvimento aos esteios da abertura, privatização e liberalização. A cereja do bolo foi o relativo sucesso dos programas econômicos de FHC que lograram estabilizar a economia, a despeito do fracasso em retomar o crescimento, inaugurando duas décadas de hegemonia liberal que somente a crise de 2008 desafiaria.
Agora, o ocaso do programa desenvolvimentista de Dilma — inicialmente um remédio contra a crise mas que assumiu proporções indevidas — foi motivo suficiente para que Paulo Guedes fizesse o mesmo diagnóstico de trinta anos atrás: tem que privatizar tudo, o que significa a desmontagem institucional dos instrumentos do Estado que podem regular e intervir na economia. Sendo assim, o risco de desmonte do BNDES é premente — assim como a privatização da Petrobrás e a autonomia do Banco Central. Segundo a visão ultraliberal de Guedes, um banco público de tal porte não seria necessário, pois o mercado financeiro e de capitais estariam aptos a realizar as suas funções. Por isso não surpreende que o recém-empossado presidente do banco, Gustavo Montezano, tenha vindo diretamente da secretaria de desinvestimento do ministério da Economia.
No entanto, antes de levar o desmonte a cabo, é preciso ter em mente as diferenças entre os contextos históricos. Embora seja verdade que a cartilha liberal remediou as sucessivas crises (inflacionária, cambial, bancária e fiscal) que então sofríamos nos anos 80/90, ela não foi capaz de reativar o crescimento do país. Durante o governo FHC, a média de crescimento foi de 2,32%, equivalente a apenas 67,6% da média da economia mundial (3,43%). Com efeito, o problema que atualmente enfrentamos é de crescimento, uma vez que estamos estagnados (desemprego, ociosidade, baixa produtividade e consumo reprimido) ao mesmo tempo que gozamos de relativa estabilidade nos demais quesitos (moeda e inflação estáveis, juros reduzidos, reservas acumuladas, Previdência encaminhada).
Entre o ultraliberalismo e o intervencionismo exagerado, vale a lembrança de que nosso melhor momento foi quando o governo Lula encontrou a sinergia entre os investimentos públicos e privados. Agora, mais uma vez, precisamos superar a oposição binária e excludente entre Estado e Mercado, pois o crescimento depende da complementaridade entre ambos, conservando ao Estado a capacidade de planejar, coordenar e induzir, mas sem coibir, os setores privados. Nesse cenário, a atuação do BNDES é fundamental, a qual depende do cuidado para que erros e excessos do passado não se repitam, assim como precisa de novo impulso para que participe ativamente do desenvolvimento do país.
Pensando nisso, escrevi os dois artigos que seguem. No primeiro (clique aqui), avalio como o PT articulou, a partir do BNDES, o equilíbrio entre investimentos público e privado. No segundo (clique aqui), analiso as transformações no mercado de crédito a partir do governo Temer, sugerindo soluções aos impasses atuais.