Os desafios perante a perda de eficácia da política monetária

Rodrigo de Abreu Pinto
5 min readNov 20, 2019

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A combinação de política fiscal restritiva e política monetária expansiva se tornou, em dado momento, o suprassumo da teoria econômica. Deixando os estímulos a cargo dos bancos centrais, a autoridade monetária por excelência, a economia estaria a salva das desventuras dos políticos que, não raro, rebentavam em descontrole fiscal e inflacionário. O consenso era tal que nem mesmo a crise de 2008, ao menos no primeiro momento, foi capaz de rui-lo.

O fundamento do consenso era que a taxa de juros, por si só, serviria para equilibrar a poupança e o investimento no pleno emprego. Ninguém esperava, no entanto, que o longo período de taxa de juros no piso — aliada às políticas de austeridade que atenuam o risco de aumento da carga tributária no futuro — não seria capaz de estimular a demanda. Em lugar disso, foram as poupanças que continuaram crescendo a despeito da redução contínua da taxa de juros nas principais economias do mundos (Estados Unidos, Euro, China, Rússia, Índia, Brasil, etc).

Então nos vemos diante do diagnóstico da perda de eficácia da política monetária em que, a despeito da taxa de juros reduzida, os investimentos não crescem na mesma proporção.

Lygia Clark — Planos em superfície modulada (1957)

As razões são complexas. Por um lado, empresas que ainda não se recuperaram da crise de 2008 se aproveitam dos juros reduzidos, não para alavancar investimentos, mas para baratear os custos de rolagem das dívidas. Por outro, a desaceleração do aumento da produtividade — cujas razões também são variadas como os monopólios, as estratégias de redução de custos e outras jogadas financeiras como a recompra de ações — também retarda o crescimento da renda e, não menos importante, achata as expectativas quanto ao futuro.

Antes, cada vez que a taxa de juros caía, as pessoas eram desestimuladas a guardar dinheiro e automaticamente aumentavam o consumo. Agora, que as pessoas vivem mais e não esperam um futuro melhor, a baixa taxa de juros já não é sinal verde ao consumo, mas amarela quanto aos montantes, agora superiores, que terão que poupar para garantir a aposentadoria. Por isso — vejam só que paradoxal — em vez de expandir o consumo, os juros mais baixos cumprem o efeito oposto, a saber, desestimular o consumo enquanto diminuem as transferências do Estado (via títulos da dívida pública) para as famílias. Se lembrarmos que a população ativa do mundo está diminuindo — e portanto a base produtiva e a demanda por infraestrutura também — investir para que? Ou melhor, para quem?

Indo direto ao ponto: a taxa de juros já não é capaz de equilibrar a poupança e o investimento no pleno emprego. Mesmo inundados de dinheiro, ninguém tem ímpeto de investir. Ainda que as taxas estejam lá embaixo, para que pedir empréstimos se não há demanda? O resultado não é outro se não uma economia crescendo pouco, o desemprego em patamares elevados e a produtividade sem tração. Enquanto, no final das contas, só a Bolsa de Valores está bem, mas mesmo isso se deve apenas ao aumento da procura pelos ativos (em reação a queda do retorno dos títulos públicos), e não como reflexo das perspectivas de crescimento nos anos vindouros.

Diante desse cenário, Mario Draghi, presidente do Banco Central da Euro (BCE), afirma que é hora da política fiscal, através da elevação dos gastos públicos, assumir a tarefa de reverter o que já está sendo chamado de “longa estagnação” — em referência ao fenômeno de mesmo nome que assolou as economias do entreguerras. Naquela ocasião, foram os esforços dos países associados à 2ª Guerra Mundial que absorveram a poupança e transformam endividamento público em injeção de demanda. Desta vez, tanto Mario Draghi quanto alguém como Olivier Blanchard, ex-economista chefe do FMI, têm insistido que a saída da crise passa pelo aumento dos investimentos públicos (principalmente em infraestrutura) que tanto aproveitem a capacidade ociosa persistente desde a crise de 2008, quanto persigam uma nova rodada de aumento da produtividade.

Para ambos economistas, está claro que não é mais possível apostar todas as fichas na política monetária. Os juros caíram ao dos últimos anos e a situação pouco se alterou, acarretando uma situação paradoxal em que os agentes econômicos tem a impressão de que os instrumentos estão se esgotando e a economia não reage. Caso a economia persista ao ritmo desse samba de uma nota só, a recuperação pode se tornar ainda mais improvável. Em entrevista recente ao Financial Times, Mario Draghi alertou: “Eu tenho falado da política fiscal como um completo necessário da política monetária desde 2014. Agora, a necessidade é ainda mais urgente que antes. A política monetária vai continuar a fazer seu trabalho, mas o lado negativo dos seus efeitos é cada vez mais visível”.

Falando assim, o italiano manda um recado para o maior país da Euro, a Alemanha, com quem argumenta, com mais ou menos complacência, desde que assumiu o BCE no final de 2011. Nos últimos anos, os alemães criticaram a flexibilização monetária de Draghi e, agora, tampouco se mostram dispostos a fazerem da sua posição superavitária a justificativa para gastar mais — o que, com efeito, auxiliaria a recuperação dos demais países em crise. Não por outra razão, Mario Draghi tem se referido ao exemplo dos Estados Unidos que não apenas abaixou os juros básicos para quase zero e recomprou em massa os títulos públicos de longo prazo, expedientes que o BCE também fez para conferir liquidez ao mercado. Mais do que isso, e para além dos embates constantes entre Trump e o FED, a engrenagem da recuperação americana foi baseada no corte dos impostos produtivos e no aumentou das compras públicas. “A resposta é a política fiscal. Esta é a grande diferença entre a Europa e os Estados Unidos”, completou Draghi.

O principal risco da expansão dos gastos diz respeito a dívida pública, sobretudo porque os resultados primários, de modo geral, são piores que em 2008, e a dívida bruta cresceu em consequência do socorro às corporações too big to fail. Em contrapartida, os índices que historicamente explodem em caso de descontrole fiscal — a inflação e a taxa de juros — estão não apenas controlados, mas abaixo do piso, o que supõe riscos reduzidos. Pode-se especular, inclusive, que estamos indo para uma situação à la Japão em que a dívida elevada está associada a baixa inflação e refinanciamento barato.

Chegada a hora, espera-se, que o medo se tornará menor que as alternativas e urgências relativa ao novo papel da política fiscal.

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Rodrigo de Abreu Pinto
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Written by Rodrigo de Abreu Pinto

Advogado (PUC-Rio) e Filósofo (FFLCH-USP). Diretor de Inovação da Câmara de Comércio Brasil-Portugal.

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