Os propósitos da empresa e a soberania dos consumidores

Rodrigo de Abreu Pinto
4 min readJul 14, 2021

ESG, Enviroment, Social and Governance. Em português, Ambiental, Social e Governança. Os três quesitos que iluminam as transformações da cultura corporativa em tempos recentes, em especial dos propósitos e finalidades da empresa.

Sem título (2017) de Ana Frango Elétrico

O imperativo de que as empresas devem perseguir metas ambientais, sociais e de governança assombra o velho axioma de que a responsabilidade social da empresa é gerar lucros em benefício dos seus acionistas.

Para que sejamos justos, essa maximização dos lucros, muito embora à primeira vista uma perspectiva fria e isolada, não é egoísta: o exercício normal da empresa produz empregos, riqueza e impostos. Não é pouca coisa, sobretudo quando exercido sem embaraço das leis.

Isso não ignora o fato de que a atividade empresarial não raro engendra externalidades negativas, que afetam a esfera patrimonial e existencial de terceiros, como agravos ao meio-ambiente, concentração de poder e incentivos ao consumo imoderado. O Estado endereça parte desses riscos através da tributação, regulação e demais obrigações às empresas previstas no ordenamento jurídico. A ascensão da agenda ESG, por sua vez, é a pressão para que as empresas assumam compromissos para além das obrigações legais ou, dito de outro modo, que forneçam máxima efetividade a princípios constitucionais como a função social da propriedade, a defesa do consumidor, a defesa do meio-ambiente e a redução da desigualdades regionais e sociais.

Em outras partes do mundo, o debate sobre ESG está adiantado (seja porque os europeus já enfrentam os problemas irreversíveis do meio-ambiente, seja por causa dos efeitos da crise de 2008 na sociedade americana). Em 1997, o Business Roundtable (organização que reune as 200 mais importantes empresas norte-americanas) dizia que “o principal objetivo de uma empresa é gerar retornos econômicos para seus acionistas”. Já em 2019, antes da pandemia, a mesma organização proclamou que “embora cada uma de nossas empresas sirva ao seu próprio objetivo corporativo, compartilhamos um compromisso com toda a sociedade”.

Já no Brasil, o ESG entrou na pauta em decorrência da pandemia. Ou, se quiserem, pela cobrança de investidores e lideranças internacionais em reação às desastrosas políticas brasileiras nesses temas, em especial meio-ambiente.

O primeiro desafio é firmar que ESG não se resume a meio-ambiente, já que inclui a agenda social (que não se resume a desigualdade de gênero) e de governança (que não se limita a agenda anti-corrupção).

Cada um dos três temas se desdobram em várias questões, a começar pelo Ambiental que inclui mudança climática, emissão de carbono, uso de recursos naturais e a gestão de resíduos. O Social visa o treinamento de colaboradores, a responsabilidade com o consumidor, as atividades beneficentes e a relação com a comunidade. Já a Governança envolve direitos dos acionistas minoritários, independência da diretoria, política de remuneração e diversidade.

A internalização da agenda ESG numa empresa, em lugar de restrita a um único setor (como sustentabilidade ou marketing), necessariamente implica toda a empresa. Não se trata de uma sustentabilidade meramente externa ou autocelebratória, mas o desafio de tornar sustentável o próprio exercício da empresa.

Se a agenda ESG determina que o crescimento econômico não pode estar desassociado das preocupações sociais e ambientais, não é menos verdade que esses programas só serão sustentáveis caso combinados ao equilíbrio econômico da companhia. Para provar que ambas as coisas andam juntas, um bom exemplo é a criação do chamado Novo Mercado, o principal segmento da bolsa brasileira (B3), no início dos anos 2000.

Focado na letra G do acrônimo ESG, o ingresso de empresas no Novo Mercado dependiam da adoção de práticas de governança acima das exigidas pelas legislação brasileira. O objetivo era atrair o investidor que desconfiava do mercado de ações brasileiro desde a falência de empresas listadas e o crash da Bolsa do Rio de Janeiro nos anos setenta. Como afirmou o profº. Calixto Salomão Filho, “pareceu ser necessário valorizar o acionista individual (minoritário) e seus direitos para fazer ressurgir o mercado brasileiro e o interesse na aplicação em ações de novas companhias”. O resultado não foi outro senão a atração de milhões de investidores e a acomodação da bolsa brasileira ao desafio de financiar da atividade produtiva das empresas locais.

Desta vez, as companhias brasileiras terão que se abrir às agendas sociais e ambientais caso queiram atrair os consumidores. O ex-presidente do Banco Central, Gustavo Franco, afirmou em livro recém-lançado que “cada um de nós tem a sua história, meio idílica ou não, sobre como a vida vai ser melhor depois desse contato com a covid-19”. A minha é de que teremos consumidores mais conscientes e preparados ao exercício de controle da prática dos mercados.

Em suma, um consumidor exigente que vai além do preço e da qualidade do preço para certificar o atendimento de objetivos valorizados socialmente pela empresa. A verdadeira ambição da agenda ESG é que a concorrência entre as empresas não ocorra exclusivamente no plano financeiro, mas também no plano da observância de normas e diretrizes que não eram devidamente sopesados como formadores do potencial da empresa.

--

--

Rodrigo de Abreu Pinto

Nascido em Recife, é formado em filosofia pela FFLCH-USP e em direito pela PUC-Rio.