Por uma política de centro-esquerda
O dilema que então permeia a esquerda diz respeito a duas posturas: radicalizar à esquerda ou agrupar entre a esquerda e centro. Os que advogam pela primeira falam em mobilizar a militância em torno de pautas inegociáveis. Já a centro-esquerda estaria preocupada em ampliar a base e elaborar uma agenda minimamente consensual.
Em artigo recente no El País, Vladimir Safatle afirma: “Não é de diálogo que o Brasil precisa. É de ruptura”. Por essa ótica, a revolta de Junho de 2013 teria decretado a falência da política de “centro” ou “conciliatória”. A partir de então, venceria quem desse vazão a energia anti-institucional contrária aos pactos de governabilidade que as manifestações denunciavam.
O diagnóstico era correto: Bolsonaro triunfou ao lançar uma candidatura radical e sem base multipartidária. Para Safatle, estaria mais que na hora de fazer parecido ao extremar à esquerda.
Contra essa leitura, a primeira questão é de ordem prática: na sequência das Jornadas de Junho, a esquerda não formou movimentos sociais com a mesma força que a direita (MBL e Vem Para Rua). Restaram os mesmos partidos, duramente criticados em Junho, como intermediários entre a sociedade e as demandas políticas de esquerda.
Ao lado disso, a ascensão de Bolsonaro mudou os parâmetros. No momento em que o anti-político assumiu o topo da política, o voluntarismo salvacionista do presidente se revelou uma verdadeira zorra. Isso, paradoxalmente, renovou a legitimidade que o sistema político viu afrontada em Junho.
A bagunça do governo Collor surtiu o mesmo efeito e deu origem, naquela altura, a valorização de noções como “ética na política” e “republicanismo”. Com efeito, foi esse ambiente que nutriu o “governo de união nacional” de Itamar Franco e a eleição de alguém politicamente correto como FHC. Agora, enquanto Bolsonaro se revela inábil em governar o país, uma boa dose de equilíbrio e bom senso se torna novamente requisito político. E os partidos e políticos, por sua vez, são novamente reconhecidos, muito embora não tenham passado pelas transformações necessárias.
Em contrapartida, a recusa ao diálogo alargado pode significar, mais uma vez, a aposta na polarização da sociedade. O que tende a provocar a despolitização do embate, tal como ocorreu nas últimas eleições, e o ódio anti-petista a camuflar a política destrutiva do atual governo.
Por isso, não basta que o governo Bolsonaro definhe. É preciso que o raciocínio bolsonarista e olavista sejam combatidos pela invenção, o diálogo franco e a capacidade de colocar em prática qualquer coisa parecida a um “projeto nacional de esquerda”.
Sem isso, que uma coisa fique claro: se a esquerda não ocupar o espaço da centro-esquerda, será uma direita ilustrada, aos moldes de Luciano Huck (ou mesmo Dória), que o fará.