Quanto custa um filho?
Existem insatisfeitos com Bolsonaro por toda parte — claro, isso sem contar com a oposição. Desde parlamentares do próprio partido até gente da base dita “bolsonarista” que se diz desapontada com o comportamento do ex-capitão eleito presidente.
Só uma pessoa — ou melhor, três — não podem dizer que o presidente mudou: Carlos, Eduardo e principalmente o filho mais velho, Flávio Bolsonaro, suspeito do esquema de “rachadinha” e quem mais precisa do voluntarismo nepotista do presidente.
Da posição que ocupa, o presidente fez o mais óbvio para abafar o caso: aparelhar os instrumentos de combate a corrupção.
O ônus, também óbvio, seria a perda do apoio dos que se uniram ao bloco bolsonarista pela luta contra a corrupção.
Nada óbvio, portanto, é como manter acesa a chama bolsonarista e, ainda assim, acudir o primogênito. Eis o paradoxo bolsonarista.
Bolsonaro sabe tanto que a fórmula da anti-corrupção o elegeu que, uma vez vitorioso, logo nomeou Sérgio Moro como ministro da Justiça. Era questão de quitar os serviços prestados, o que também incluía a reserva da vaga no STF.
Aí começa o nó da questão. A maior exigência de Moro foi a transferência do Coaf para o ministério da Justiça. Bolsonaro acatou… mas no meio do caminho tinha uma pedra chamada Fabrício Queiroz. Foi o Coaf quem identificou movimentações atípicas nas contas do ex-assessor de Flávio Bolsonaro.
- É melhor deixar o Coaf quieto, Bolsonaro pensou, mesmo que isso envolva fazer exatamente o que o Centrão quer: manter o Coaf no ministério da Economia. Foi o que aconteceu. Não sem antes o senador Major Olímpio (PSL-SP) se dizer envergonhado e ameaçar deixar o partido do presidente.
A questão é que o processo já estava com o Ministério Público. O que fazer?
Dias Toffoli acelerou o passo e suspendeu as investigações, em mãos do Ministério Público, baseadas em informações fornecidas pelo Coaf sem decisão judicial. Bolsonaro elogio a decisão — se antes era questão de “um cabo e um soldado” para fechar o STF, agora vale comemorar a decisão monocrática de Dias Toffoli, até então o mais “vermelho” dos ministros.
Quem criticou a liminar foi a Lava Jato. A começar pelo diretor do Coaf, Roberto Leonel, indicado por Moro. Resultado: Bolsonaro editou uma MP em que transfere o Coaf para o Banco Central, longe de Brasília, e o diretor será demitido.
Outro que protestou foi o procurador Deltan Dellagnol, na mesma época em que milhares de perfis de direita compartilhavam a hashtag #DeltanNaPGR. O presidente não demorou a responder: “Para quem pede o Deltan Dellagnol na PGR… O cara é esquerdista estilo PSOL”.
Falando em eleição da PGR, a sintonia com o governo (leia-se: com as investigações contra Flávio Bolsonaro) valem mais que a posição na lista tríplice. Por isso, o próprio Flávio está realizando sabatinas com os candidatos, como revelou a repórter Bela Magale.
Para garantir que o Senado vai anuir a indicação sem arrodeios — também incluída a aprovação de Eduardo Bolsonaro como embaixador — o presidente cedeu a Davi Alcolumbre, presidente da Casa, a escolha dos novos conselheiros do Cade.
Além do esquema de funcionários fantasmas, o gabinete de Flávio está envolvido noutra investigação, desta vez a cargo da Polícia Federal. O primogênito empregava a mãe e a esposa de Adriano Nóbrega, ex-capitão do Bope e atualmente foragido, o que levantou suspeitas da PF sobre a relação entre o senador e a milícia.
Irritado com a divulgação das suspeitas, o presidente forçou a demissão do super-intendente da PF no Rio de Janeiro, Ricardo Saadi. Não satisfeito, contestou o nome do novo escolhido, Carlos Henrique Oliveira, e agora tenta cravar um dos seus no cargo, Alexandre Saraiva.
Na Receita Federal, o caso foi parecido. Ao mesmo tempo que o presidente criticava a “devassa” órgão sobre a sua sua família (no caso, do seu irmão Renato Bolsonaro), o superintendente do órgão no Rio, Mário Dehon, foi ameaçado pelo governo.
Para o arremate da questão, duas decisões fundamentais se darão nos próximos dias.
Na primeira, Bolsonaro analisará a lei de abuso de autoridade, recentemente aprovada no Congresso e recém-chegada em seu gabinete. Dos 83 votos contrários, metade foram de deputados do PSL, os quais pressionam para que Bolsonaro exerça o poder de veto contra a medida defendida pelo Centrão junto aos partidos de esquerda.
Caso encrenque com a medida, o presidente pode abrir uma crise com o Congresso cujas consequências podem resvalar no caso de Flávio Bolsonaro. Caso contrário, são os membros do PSL que devem criticar a deferência do Executivo ao desmonte da Lava Jato.
O mais provável é que Bolsonaro vete alguma parte menos importante (como a detenção ao policial que usar algemas sem necessidade), deixando intocado os demais pontos mais sensíveis ao Congresso (como a detenção ao juiz que decretar prisão preventiva fora das hipóteses legais).
Aos parlamentares do PSL que ensaiarem reclamação, a recente expulsão de Alexandre Frota já atestou a disposição do partido em punir os dissidentes.
E os demais eleitores da direita também inconformados com o aparelhamento do judiciário?
Para esses, vale a segunda decisão importante, que diz respeito ao julgamento do STF sobre o pedido de liberdade do ex-presidente Lula. No caso de soltura, toda a direita tende a se reagrupar em torno de Bolsonaro, líder do antipetismo por excelência, além de arrefecer o ímpeto da oposição pelas investigações contra o filho mais velho.
De um lado, aparelhar o judiciário e o partido. Do outro, polarizar a sociedade, o que também explica a nova estratégia de entrevistas diárias.
É assim que o presidente espera “estancar a sangria” sem minar sua base de apoio. Com o Centrão; com a oposição; “com o supremo, com tudo”. Como escreveu Bruno Boghossian, “o ex-senador Romero Jucá deve estar com inveja”.