Silêncio incômodo: eleições, presidenciáveis e mercado

Rodrigo de Abreu Pinto
5 min readMay 6, 2022

O próximo presidente já tem dificuldades encomendadas. Queira ou não, o aumento da Selic elevará a dívida pública mais à frente. O recuo dos preços de commodities impactará a arrecadação. As expectativas de inflação estão acima da meta pelo menos até 2025.

São cenários que inviabilizam o esforço fiscal do Estado para impulsionar a economia brasileira que deve crescer apenas 0,7% em 2022. Os dados são do Boletim Focus publicado na terça (02).

O próximo presidente terá que levar à sério o mercado de capitais — não por causa da Faria Lima, mas porque depende da capacidade do mercado de capitais em substituir, ao menos em parte relevante, o crédito governamental e bancário como fonte de financiamento da atividade produtiva.

A boa notícia é que o mercado de capitais brasileiro tem dado provas de sua vocação em canalizar capital em favor da atividade empresária.

De um lado, os brasileiros estão substituindo a poupança nos bancos pelos investimentos nas corretoras. De outro, as empresas estão elegendo, cada vez mais, ações, debêntures e outros títulos como fontes de captação de recursos de longo prazo.

O ex-secretário do Tesouro Mansueto Almeida relatou que “em 2016, a captação total via mercado de capitais doméstico por meio dos diversos instrumentos (IPO, follow on, debêntures, etc.) foi de R$ 126,5 bilhões (2% do PIB). Em 2021, esse valor foi R$ 596 bilhões (6,9% do PIB)”.

(Dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais — Anbima)

Em paralelo, como mostrou Samuel Pessôa em sua coluna de sábado (30) na Folha, o investimento privado foi responsável pelo crescimento do investimento no Brasil de 16,8% em 2017 para 20,8% do PIB em 2021 (período em que o investimento público permaneceu constante).

O mercado de capitais teve papel importante nisso, afinal, sabe o que quando investidores vão ao mercado e o preço das ações sobem? Cresce o fluxo de recursos dos poupadores para as empresas que então contratam mais empregados, adquirem equipamentos, investem em inovações, pagam mais tributos.

É assim que mercado de capitais cria as condições para que os empresários possam desenvolver a economia. O governo, por sua vez, cria a ordem legal para que o mercado de capitais possa se desenvolver com segurança jurídica e eficiência.

Mas infelizmente os candidatos a presidência silenciam sobre iniciativas legais e regulatórias voltadas ao mercado de capitais. O objetivo desse texto é justamente este: pautar que o mercado e o financiamento das empresas nacionais se tornem objeto de discussão no âmbito dos programas e discursos dos presidenciáveis.

Para isso, recupero brevemente a nossa história. Mais exatamente para mostrar que o ambiente legal e institucional interfere no desenvolvimento do mercado, seja para bem ou mal.

A começar pelas normas equivocadas que puseram em xeque a credibilidade do mercado brasileiro. Para ficar em poucos exemplos: o Decreto-Lei 6.464/1944 que dispensou as sociedades de economia mista do cumprimento de normas restritivas da lei societária então vigente; o Decreto-Lei nº 157/1967 que conferiu incentivos fiscais a compra de ações com a finalidade de financiar as empresas estatais, originando uma demanda artificial que inflou a bolha que explodiria no crash de 1971; e a Lei 9.457/1997 que excluiu o direito de tag-along aos acionistas minoritários na alienação de controle das companhias com o objetivo de maximizar as suas receitas com o processo de privatização das estatais.

Por outro lado, os bons exemplos. O maior deles é a Lei das S.A. de 1974 que até hoje impressiona pela capacidade de aliar pragmatismo, precisão técnica e a preocupação em remediar as fraquezas das leis societárias anteriores. Os autores do anteprojeto, Alfredo Lamy e Bulhões Pedreira, foram além da tese de que bastavam incentivos fiscais para a promoção do mercado, e criaram um sistema que tanto assegurou flexibilidade administrativa aos empresários, quanto conferiu proteção aos minoritários visando o aumento da confiança dos investidores no mercado de capitais brasileiro.

Mais recentemente, outra virada de chave se deu pela Lei 10.303/2001 que reintroduziu o direito de tag allong em caso de alienação de controle, além de ter limitado a proporção de ações preferenciais a 50% do capital social da companhia.

Ao contrário do boom dos anos 60, o crescimento experimentado pela bolsa desde os anos dois mil está vinculado a transformações institucionais como o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (1995), o Novo Mercado da B3 (2000), a própria Lei 10.303/2001 e os marcos regulatórios de ofertas públicas e fundos de investimento (Instruções CVM 400/2004 e 409/2004) que promoveram o resgaste da confiança, e assim incentivaram que uma nova geração de investidores formassem a poupança de longo prazo no mercado de capitais.

Naquele momento, como escreveu Calixto Salomão, “pareceu ser necessário valorizar o acionista individual (minoritário) e seus direitos para fazer ressurgir o mercado brasileiro e o interesse na aplicação em ações de novas companhias”.

Ainda há tarefas a serem feitas nesse sentido, a exemplo do aprimoramento dos mecanismos de enforcement da Lei das S.A. para punição de condutas inadmissíveis de controladores e/ou administradores e o ressarcimento dos acionistas minoritários pelos danos sofridos (arts. 159 e 246 da Lei das S.A.).

Mas o mercado de capitais também enfrenta novos desafios. Há uma competição entre mercados ao redor do mundo por novas emissões, recursos e investidores. Há, ainda, uma competição com outros canais alternativos de captação, a exemplo dos fundos de private equity e venture capital que passaram a financiar empresas, inclusive de menor porte, sem a necessidade de que as companhias incorram nos custos de listagem ou de adoção da forma da sociedade anônima que garantem o acesso à poupança popular.

Em tal contexto, para além comparação da capacidade dos sistemas jurídicos em proteger os investidores, a atratividade do mercado depende de reformas que desonerem o acesso às suas facilidades, sobretudo apoiado nas inovações tecnológicas. Como bem disse Viviane Muller Prado: “pode-se falar em um pêndulo regulatório: se agora tende para a facilitação da captação, antes estava em direção à proteção dos investidores”.

Esse imperativo de desburocratização já tem se refletido em legislações recentes. A Lei Complementar 182/2021 estabeleceu requisitos menos onerosos para o ingresso de companhias no mercado de capitais. A Lei 14.195/2021 permitiu a adoção do voto plural em linha com os mercados internacionais. A Lei n° 14.317/2022, por sua vez, racionalizou as taxas de fiscalização cobradas aos participantes do mercado de valores mobiliários.

Às vésperas da criação da Lei das S.A., Bulhões Pedreira declarou que “as alternativas são simples, claras, óbvias: ou conseguimos criar no país um mercado primário de valores mobiliários ou o processo de estatização da economia continuará a acelerar exponencialmente”.

No momento em que o desejo de Bulhões está enfim se realizando, as alternativas são ainda mais simples, claras, óbvias: cabe ao próximo presidente dar cabo e acelerar esse processo. É melhor que comece a discutir como desde já.

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Rodrigo de Abreu Pinto

Nascido em Recife, é formado em filosofia pela FFLCH-USP e em direito pela PUC-Rio.