Três cenários ao futuro do governo Bolsonaro
Cenário idealista
Este é o cenário em que a aliança do governo e o Centrão garantiria a aprovação de reformas e projetos estratégicos que assegurariam a retomada firme da economia no pós-pandemia, segundo os planos mirabolantes do ministro Paulo Guedes. Só as reformas, com efeito, certificariam uma perspectiva de longo prazo na economia que atrairia os investimentos privados, já que os empresários estariam de mãos atadas pelas dúvidas quanta a solvência do Estado em função dos gastos com a pandemia.
Além do próprio Paulo Guedes, é difícil que alguém acredite em tal cenário reformista após as inúmeras trapalhadas da equipe econômica ao longo do primeiro ano do governo. Mesmo supondo que a aprovação das reformas ditas estruturais (tributária, administrativa e federativa) surtiria a aceleração do crescimento, o governo é incapaz de levá-las a cabo.
Basta notar que as duas principais reformas aprovadas até então — Previdência e Saneamento Básico — foram encaminhadas pelo consenso construído em anos anteriores a eleição de Bolsonaro. Pois quando se trata de organizar o ambiente em torno de qualquer projeto espinhoso, o governo é incapaz de costurar uma agenda comum, e qualquer um que tenha assistido o vídeo da reunião ministerial sabe disso.
Na reforma tributária, Paulo Guedes não dialogou para unificar as propostas já existentes na Câmara e no Congresso, mas acaba de lançar uma nova proposta que deve embolar ainda mais o meio de campo. Já na PEC da reforma Federativa, apresentada em novembro, a proposta foi tão mal desenhada e apresentada que quase ninguém nem lembra. Além da reforma administrativa que a equipe econômica sequer consegue propor porque o presidente sempre veta na última hora.
Seja por causa do presidente, seja por Paulo Guedes, simplesmente não conseguem agir como um governo reformista de centro-direita, como queriam muitos dos eleitores que trocaram Alckimin por Bolsonaro.
Cenário pragmático
Um cenário mais realista é o que considera não apenas as limitações da equipe econômica, mas também a frágil coalizão entre o governo Bolsonaro e o Centrão.
Formada às pressas e pelas mãos dos militares, a governabilidade é incerta porque o alinhamento automático só estaria garantido na questão do impeachment. Em outras palavras: o que temos é mais uma coalizão de sobrevivência do que propriamente uma coalizão de governo. Uma coalizão que até serve para jogar na retranca, sem sofrer o impeachment, mas não tem força para atacar uma agenda propositiva. Em termos práticos, Bolsonaro pode ter garantido os 2/5 dos deputados que o salvam da saída prematura, mas está longe de assegurar a maioria absoluta ou os 3/5 necessário para aprovação de projetos em série. Isso ficou bastante claro no insucesso do governo em barrar propostas contrárias aos seus interesses nos últimos dias, como foi o caso da indenização aos profissionais de saúde contaminados pelo coronavírus, o socorro de R$ 1,6 bilhão ao setor esportivo e a renovação do Fundeb.
O Centrão, afinal, é bom para completar a base do governo, mas não para construí-la. Nos governos petistas, por exemplo, o PT e os demais partidos de esquerda formavam o núcleo central e o Centrão complementava, e mesmo assim a presidente Dilma foi acuada pelas pautas bombas e enfim pelo impeachment. Já na coalizão de emergência do governo Bolsonaro, o preço a ser pago (via oferta de cargos e verbas) é ainda mais alto, ao mesmo tempo que o governo não tem tanto espaço assim para ceder aos novatos — a não ser que os militares abram mão dos seus ministérios, o que não parecem dispostos a fazer.
Por isso, não é improvável que tenhamos um governo capenga — incapaz de aprovar grandes mudanças — mas que se arrastará até 2022 por uma razão pragmática: as expectativas foram tão rebaixadas que garantir o cenário menos pior já virou a obsessão de boa parte do mercado. A tentativa de afastar Bolsonaro, por outro lado, causaria tanto barulho, que é pragmático deixá-lo onde está — até porque basta olhar o desempenho atual da Bovespa para concluir que não raro as expectativas são muito mais importantes que os fatos.
Cenário ideal
No melhor dos mundos, as forças progressistas seriam capazes de levar a cabo o impeachment, tomado como o único meio de extirpar o fantasma do autoritarismo e responsabilizar o presidente pela condução genocida da pandemia.
No artigo da semana passado, concluí dizendo que Bolsonaro está apenas ganhando tempo: enquanto os militares arrumam a casa, o presidente está recuperando as forças e tão logo retornará ao seu projeto autoritário de ruptura institucional. Quero dizer: Bolsonaro perdeu a batalha, não a guerra.
Após um silêncio quase absoluto, o presidente voltou a incitar a militância bolsonarista com temas morais e miraculosos que vão desde a acusação de que a esquerda quer “descriminalizar a pedofilia” até o louvor da cloroquina nos jardins da Alvorada. O objetivo não é outro senão refundar o pacto com seus apoiadores — recentemente debilitado pela sua aliança com a “velha política” e o avanços do inquérito das Fake News — para então retornar a guerra institucional contra os demais poderes.
Para o afastamento do presidente, novas revelações do caso Queiroz e das investigações do Supremo podem até acelerar o processo. Sendo que o fundamental ainda é o quesito das manifestações ruas — elemento característico dos impeachments anteriores — sem o qual os deputados do Centrão dificilmente se veriam coagidos a autorizarem o processo. As forças progressistas sobretudo da fecundação recíproca entre partidos de esquerda e os movimentos de rua (como as torcidas organizadas e os entregadores) para retornar às ruas com uma força inédita de 2013 até hoje — intervalo no qual nem mesmo o impeachment de Dilma e a prisão de Lula resultaram em manifestações progressistas de massa.
O paradoxo do impeachment é que quando o presidente estava mais desgastado, os cuidados de isolamento social desestimulavam as aglomerações em manifestações. O tempo passou e embora a pandemia ainda assole mais de mil mortes diárias, a pesquisa XP/Ipespe, divulgada na segunda (19), trouxe perspectivas nada animadoras. Não apenas Bolsonaro está recuperando os níveis de aprovação pré-crise, como o otimismo da população quanto a emprego e pagamento das dívidas também subiu, caracterizando um sentimento de que “o pior já passou” que pode dificultar o apoio a choques que possam emperrar a retomada econômica, como o impeachment.
Fica a lição de que a vitória contra o autoritarismo não será por acidente ou bala de prata, mas dependerá da reconstrução dos vínculos políticos entre as forças progressistas, bem como da luta diária e duradouro aos arroubos do presidente.